sábado, 30 de janeiro de 2010

Ninguém disse que seria fácil

Ela podia fazer várias interpretações daquele riso, mas preferiu, simplesmente, sorrir em troca.

Naquela tarde, ela recebeu a notícia que era motivo de sua ansiedade há alguns dias, mas não da maneira que esperava. Em uma conversa com os amigos, descobriu que o papel que tanto desejava fora dado para uma amiga de um amigo seu. Desse modo: informal, descontraído e distante. Na última semana, ela não tirava o celular do bolso durante o dia e verificava seus e-mails em curtos intervalos. Que viesse logo a resposta e aliviasse sua ansiedade! E de repente, o esperado sai inesperado, solto no ar no meio de uma conversa sobre "o que você tem feito?" como um aviãozinho de papel onde o locutor-piloto não sabia que a ouvinte-pista não esperava um pouso desses: de emergência e pré-catastrófico. Porém, não se abalou. (Não acreditou de momento e repassou mentalmente os passos da audição) Com todos seus amigos ali, à sua volta, era como uma dor no pé durante a aula de balé: facilmente esqueceu. Depois, quando ficou sozinha e a música parou de tocar, ela se tocou. No caminho de volta pra casa, só duas estrelas, das zilhões que existem, conseguiam brilhar no céu escuro da cidade. Só duas, conseguiam. E ela não era uma delas.

No ponto de ônibus, parou para esperar. Parou. E pensou. E se culpou. E se diminuiu. E desistiu. E pensou, pensou... Enquanto esperava, uma criança no colo da mãe falava bobagens que invadiam seu pensamento. Ela reparou na criança com os dois braços atrofiados, num deles uma espécie de prótese, e a criança sorriu sinceramente. E quando a criança viu que a menina a reparava, sorriu mais, com uma graça infantil que se transformou em curtos soluços de gargalhada. A criança sorria respondendo ao olhar e gesticulava os bracinhos com entusiasmo. E entre seus risos a criança soltou um gracejo inocente e tímido dizendo: "boba...". Ela não deixou de olhar a criança enquanto subia no ônibus que acabara de chegar.

Ela podia fazer várias interpretações daquele riso, mas preferiu, simplesmente, rir em troca.



JG





"Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem"
-Chico Buarque-

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