quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Três vovós



Eram três vovós da minha vida. Três sem nome, sem parentesco. Até hoje me confundo com os nomes e com suas posições na arvore genealógica. Mas essa era a diversão. Eram simplesmente vovós. Que fazem bolo, apertam bochechas e contam histórias.

A primeira me dava caixas de remédios para brincar. Com meus cinco anos não me preocupava com o fato dela tomar tantos remédios. Simplesmente achava muito bom que os tomasse pois assim eu teria mais prédios e carrinhos. Eu me jogava na sua cadeira de balanço sem ouvir seus conselhos de "esse menino vai cair com a cabeça no chão". Era a Doca (acho que veio de Dondoca) que cheirava a talco e morava do lado da farmácia de homeopatia. (Bolinhas brancas, doces, maravilhosas!) Foi a Doca que deu tchau mais cedo e me deixou poucas e boas lembranças, menos a lembrança do seu adeus.

A segunda me dava recortes de jornal com trechos de poesias para que eu as lesse para ela quando não podia mais sair da cama. Aos meus sete anos, era um ótimo exercício! Ela estava sempre muito bem vestida e de azul claro. A dentadura fazia barulho quando falava e os olhos estavam sempre marejados. O seu sorriso era o melhor pagamento depois de ler tantos recortes de jornal. Tinha um que me lembro até hoje sobre uma andorinha. Acabou o verão e a vovó Joaninha se foi (a única certeza que tenho é que ela não se chamava Joana). Lembro da minha mãe passando a noite ao seu lado no velório. Foi a primeira pessoa dormindo pra sempre que eu vi.

A terceira me dava elogios por cima do muro para dizer que eu tocava teclado muito bem. Ela nunca soube que aos nove anos eu não sabia tocar, eram apenas músicas gravadas no teclado. Ela ficava feliz, era o que importava. Eu brincava com os seus apoios para colherzinhas de café. Eram divertidíssimos! Perfeitos para serem cavalos! E a tia Mariazinha (era como eu escutava minha mãe chamá-la) só tomava leite em pó! Nunca entendi aquilo, era tão ruim e difícil de fazer! A tia Mariazinha era a mais nova e a que falava que ia morrer a cada espirro. Foi a última a dar tchau em um suspiro longo e calmo de "até que enfim! eu disse!" no ano passado.

As três me deram muitas perguntas. Coisas que nunca entendi quando criança e que hoje já esqueci o que eram. Os adultos nunca comentavam dela muito tempo na minha frente. E a casa delas era cheia de coisas engraçadas e misteriosas. Como um quadro feito de madeira esculpida que estava sempre cheio de poeira. As sensações que essas três me proporcionaram serviram muito bem para pincelar minha infância com tantas dúvidas e descobertas.

Que minhas rugas também sirvam tanto para alguém, algum dia.



JG

ps: na foto(esq pra dir): Tia Mariazinha, Tia Vivi, Tia Maria, Doca e vovó Joaninha.

3 comentários:

  1. Gosto de muitos textos que vc escreve, João. Parabéns por conseguir colocar em palavras alguns sentimentos difíceis de descrever. Abraços!

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  2. Perfeito Janjão! Você percebeu, lembrou (e, nossa! vc era tão pequeno…) e descreveu lindamente essa instituição da família, chamada "as 3 Vovós". Parabéns, sobrinho querido! Beijos, Tia Vivi

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