sábado, 10 de setembro de 2011

Outros ares.

Mudei tudo pra

www.dosversosqueli.wordpress.com

JG


"Navegar é preciso, viver não é preciso."

sábado, 13 de agosto de 2011

Estrofes curtas de uma boemia ensaiada.

*A ideia é: cada um bebe o que quer, sugere um tema e derrama palavras.*


(tema: esquentar as canetas)

A Lua de ontem
brilhou só metade
de um sorriso tímido.

A Lua de ontem
não gargalhou estribilhos
entre suas estrelas mortas.

A Lua de ontem
dormiu coberta
sem acorbertar suicídios.

A Lua de ontem
foi passear lá fora
longe fora, fora de órbita.

Alheia me faz favor
de não raiar sobre
seus filhos que acordaram sozinhos.




(tema: Noite)

Vamos lá fora onde
os homens são lobos
as mulheres princesas
Buscar dragões com
nossas lanças de bravura jovem.

Traçar as danças das
pernas trançadas num
buffet de possibilidades loucas.

Acordados sonhar boas e poucas.

Porque o dia vem com a idade
e a noite foge com a luz
da inegável realidade.




(tema: Loucura)

Prévê

Soluço de bruço
É lagartixa espasmódica
Pulso vivo da piada pronta.

Ebugalhos, olhos e alhos
É choro pleonástico
Cheiro módico de drama sacro.

Tapetes persas em pretoebranco
com gráficos em art decor
Rococó na cena casta
                           falsa, sem graça
                           falsa, sem Aranha.

Tudo visto, insisto no mesmo
roteiro imprevisto que desmonta o cenário.

Canários dançam.




(tema: Agora)

A cor de breu
do fundo do pano
do pano de fundo falso
que seu amor se pintou no meu.

Não serviu de talha, toalha
ou mortalha nas lágrimas
que carpi no nosso
enterro de adeus.




(tema: Não tema)

Não tema.
Vai.
Cai.

"Não se precipite"?!

Precipício-se.




(tema: risinho no final do poema)

Lágrimas de cima
jorra escorre borra
rega um canto do sorriso
sua como esforço de forçar o ciso.

-pausa. -espera. -continua.

Lágrimas de baixo
jorra escorre borra
rega esse cantinho que sobrou liso
sua como o ciso de criar um filho.




JG

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Chave, carteira e celular.

A partir da minha primeira fugida de casa para as matinês, noites e madrugadas, o habito consolidou-se em um movimento automático. Banho, roupa, perfume e, na hora de sair, chave, carteira e celular. Mesmo quando comecei a sair sem saber para onde ia, no bolso o trio me ancorava: chave carteira celular. Ate que conclui que tudo que precisava era contatos para encontrar, dinheiro para poder ir e chave para ter para onde voltar.

E aceitei a pequena epifania dos hábitos.


JG

domingo, 31 de julho de 2011

LUZAMOR

Uma manhã de domingo nublada e despretensiosa, sem nenhum atrativo extraordinário, acomoda senhores nos bancos da Parque da Luz. Entre as árvores dominantes, de postura firme e copas acolhedoras, os amores esperavam. Alguns grupos isolados tocavam viola, jogavam dados ou admiravam o povo passando enquanto salpicavam alguns comentários aqui e ali. Mas muitos estão sozinhos. Sentado no banco onde cabem dois, um sozinho só espera, com os braços entre as pernas e o olhar perdido entre o verde do jardim. Ao primeiro que encontrei, achei curioso. Parece que saiu de casa sem rumo, encontrou um banco e ocupou seu lugar de escultura, compondo naturalmente a paisagem. Mais uns passos e vi outro. Depois outra. E mais uns. Cada qual no seu banco, onde caberiam dois. Dois, como os casais de namorados que também pareciam se multiplicar a cada passo, a cada banco. Casais de namorados poderiam roubar minha atenção ou um sorriso, mas o que me intrigou foram esses Solitários e seus olhares de busca. Quando vi que do lado de um desses senhores, impregnado de melancolia como o próprio musgo nas esculturas, se sentou uma moça. Perdi o exato momento do encontro, mas percebi que eles não se conheciam nem tinham nada combinado. Mas se encontraram. Olhei ao redor imediatamente e notei os olhares virarem e suspirarem como se dissessem "Sortudo...". A ideia iluminou-se e esclareceu-me que estavam ali esperando amores. Amores que passariam a qualquer momento. Amores que cravaram tantas rugas por debaixo da suas peles tenras de estátuas, mas voltariam a passar para lhes dar vida novamente. Eles não procuravam, buscavam, caçavam o grande tesouro da humanidade que poderia estar enterrado em qualquer coração transeunte. Eles esperavam, com a certeza de que em algum domingo ele se sentaria ao seu lado sem ter nada combinado.

Nesse momento imaginei que eles estariam ali há séculos e continuariam assim, vivendo da própria fome. Se fossem acompanhados em algum domingo, provavelmente morreriam na terça ou quinta-feira após o tão aguardado encontro-não-combinado. Pois a espera é a calma das estátuas, que por não viverem, não morrem.


JG



"As flores de plástico não morrem."
- Tony Bellotto / Sérgio Britto / Charles Gavin / Paulo Miklos - 

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A morte de Amy, o choro de Chico e nenhuma conclusão.

Quando ouvi a notícia do au revoir às excentricidades de Amy Winehouse na manhã de sábado, a primeira e única explicação que me veio à cabeça foi: "Ela não conseguiu achar a resposta para toda suas questões românticas... nem mesmo nas drogas, onde procurou tão a fundo". (Posso chamar morrer de overdose de "suicídio culposo"?) Com certeza ela foi uma fanfarrona, mas além disso, acredito, ela buscava, de todas as formas, explicar o amor ou a ausência dele. Uma Madame Bovary da Cracolândia.

Se os gênios morrem de depressão, desilusão ou afogados na própria loucura, enquanto o caboclo entre o céu azul e a terra vermelha se vai de exaustão depois de anos de rotina simples, posso concluir que a felicidade está na conformidade da ignorância? Cada dia, cada desengano, cada decisão errada que tomo, penso mais e mais (ironicamente) que pensar demais não faz tão bem.

Não quero dizer que Amy Winehouse foi grande filósofa do século XXI, mas acredito que sua busca intensa é a concretização da dor daqueles que se questionam tanto.

Minha idéia? Vamos baixar um referendo deletando as metáforas e metafísicas! Vamos erguer um monumento a Alberto Caeiro em praça pública! (ou não, pois esta seria o próprio anti-movimento). Vamos trazer o subjetivo à tona e deixar a objetividade reinar. Vamos preencher a semiótica e deixar a ótica lógica e sem óculos. Uma vez ouvi uma crítica do Manoel de Barros a um simples livro infantil dizendo que "a metáfora empobrece a poesia". Isso mesmo! Pensar dói e complica.

No domingo seguinte, ouvi Chico Buarque o dia inteiro - suas tramas, rimas, enredos e idéias geniais sobre a vida, o amor, as mulheres... e de repente me toquei: "Porra, Chico! Eu admiro fanaticamente seu trabalho, mas convenhamos que a vida seria muito mais fácil sem você". Ao mesmo tempo que suas letras explicam tantos sentimentos e eventos confusos, plantam vento nos neurônios apaixonados, que acabam se afogando na tempestade que colhem.

Estou começando a achar que essa síndrome de Zequinha que ronda minha rotina deve ser estancada o mais rápido possível. Em vem de "por quê? por quê? por quê?" vou começar a aplicar mais "Ah, tá..." 's e seguir em frente fingindo que não vi a flor brotando no muro, como tanta gente faz. Viva a sabedoria de Clarice Lispector quando convicta afirma que "o cão é livre pois é o mistério vivo que não se indaga". Au!

Não sei se culpo uma fagulha de artista que resiste em mim, não sei se leio demais, não sei se tenho 7º sentido, não sei se a posição de Netuno não convergia com a constelação de Gêmeos quando nasci... Só sei que parece muito mais fácil quando vejo os outros tão alheios ao céu pintado com todos os tons de dourado às 16h30, da janela do escritório.


JG


"Mentira..."
-Chico Buarque - Samba do Grande Amor

sexta-feira, 24 de junho de 2011

PAIXÃO

Meu melhor amigo na minha infância tranquila de bairro e com parentes muito presentes, era minha prima, Jéssica Romero: um ano mais nova que eu e com infinita imaginação para brincadeiras. A nossa favorita era brincar de boneca. Ela tinha dezenas de Barbies e apetrechos, acessórios que guardavam histórias para nos divertimos por horas. Fazíamos mobílias para a casinha com recortes de papelão, organizávamos espetáculos de mentirinha e traçávamos tramas dignas de novelas mexicanas para os brinquedos. As bonecas da minha prima voavam e tinham telepatia. Sim. Eu era criança, inocente e muito feliz.

Da noite pro dia, meus pais resolveram que eu não devia fazer mais aquilo e eu percebi que teria que começar a brincar escondido. Eu ia fazer o que eu queria, oras. Por que não? Não é o certo?

Só hoje, começo a conhecer a resposta...

Uns tempos depois, ouvi que "só os artistas são realmente felizes, porque trabalham com aquilo que gostam". Nessa jornada da vida, onde a jornada de trabalho ocupa quase um terço do nosso tempo, algumas vezes muito mais que isso, ser feliz com o que se faz é realmente um objetivo muito importante a ser alcançado.

Fui assistir um espetáculo musical esta noite e uma das atrizes se destacou tanto nos holofotes que o comentário no caminho de volta foi: "É tão gostoso ver alguém fazendo algo com tanta paixão." Era esse o diferencial da atriz. Mas não significa que essa felicidade é exclusiva dos artistas. É tão lindo ver um professor preocupado em dar melhores aulas, um jornalista, em escrever matérias mais interessantes, um economista, em buscar  novas formas de margem de lucro, simplesmente porque aquilo os fascina, porque aquilo os agrada.

E comecei a me perder entre as coisas que me apaixonam. Uma conversa boa e boas argumentações, as teclas pretas do teclado e a espera pela digitação de bons textos. Os bons textos. As danças...

"Mas João, nem sempre a gente faz o que gosta!". Concordo. O problema é quando a regra é "nem sempre a gente faz o que não gosta". Porque, afinal, um terço da sua vida não é coisa à toa.

Sabe o que eu e todo mundo devia fazer? Parar de reprimir suas paixões e brincar cada um com a sua "Barbie".


JG



"Ontem de manhã quando acordei
Olhei pra vida e me espantei
Eu tenho mais de 20 anos."


- Vítor Martins e Sueli Costa na voz da Elis-

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Dia 12 de junho

Quando passei o dia 12 de junho sozinho, muitos foram os amigos que questionaram por quê. "Você tem alguém incrível aí com você, vá estar com ele!" foi o tipo de apelo que ouvi. Mas eu estava bem em casa de meias grossas e estudando pra prova. Houve quem sugeriu que fosse trauma meu. Trauma? Não, não... calma. O que tem demais para ser comemorado no dia 12 de junho? Além do marco histórico para milhares de filipinos que comemoram sua celebrável independência nesta data, desconheço motivos válidos para comemorar com tamanha efusividade.

"Mas é dia dos namorados, João!". Dia dos namorados? É, já me preocupei com isso. Passei anos contabilizando dias 12 de junho em que passei sozinho e fingia comemorar minha solteirice (ou carência disfarçada). Depois, desculpe se soar presunçoso, vi que esse tal amor celebrado no dia 12 de junho não é passível de comemoração. Mas não se engane antes de eu terminar! Estou dizendo apenas que esse amor, de altar, beatificado e adorado como inalcançável nirvana não combina comigo. A exaltação do amor que extrapola a quantidade aceitável de corações que saltam às vistas em todas as vitrines torna tudo tão mais difícil, mais impraticável, irreal.

E pra mim é tão real. Tão palpável nas frases que me escreve. Tão acreditável no brilho dos seus olhos. É tão cotidiano como acordar e abrir os olhos: acordar e pensar em você. Tão leve, calmo.. Sem frufrus vermelhos e todos os tons de rosa! Pra mim é tão... tão normal!

Pra mim, n(amor)o não é jantar trufas brancas sob céu parisiense estrelado. N(amor)o é todo domingo, cheio de namorico, um franguinho assado e farofa pra depois do amorzinho, como dizia Vinícius.

E viva o dia 12 de junho, sim! Mas como mais um dia 12 de qualquer mês que eu tiver você do lado.



JG

domingo, 12 de junho de 2011

Eles são cariocas (uma biografia fantasiada) - Parte 2

Moço “Menino” Silva e Silva
n. 1988. Músico, jornalista e conquistador.

Até hoje é discutido, dos becos da Lapa às amendoeiras do Leblon, qual naturalidade de Moço Silva e Silva. Ele apareceu de repente no Rio como se fosse criado ali, mas nunca foi vista nenhuma foto sua de infância entre os paralelepípedos cariocas. Havia boatos, dos mais conspiradores, que seu sotaque era apenas uma boa imitação e, pasmem, na verdade ele era um monstro paulistano. Nada confirmado. Apesar de tudo que se falava dele, bem ou mal, o seu jeito tranqüilo e despreocupado de andar e levar a vida não deixava muitas dúvidas que, se não fosse a certidão de nascimento, ao menos seu coração era carioca. 

Virou Menino assim que notaram que Moço era demasiado formal para sua personalidade cativante. Ele passeava com seu sorriso maroto pela orla de Ipanema, de bermuda e camisa xadrez, e as moças de biquíni não tinham o que fazer, senão tentar um lugar ao sol da sua simpatia, quando se sentasse em um quiosque para um chopp rápido. Logo um amigo, um das centenas que o admiravam e estaria por ali à toa, sentava para puxar um precioso papo: conversar com Menino era um prestígio impagável e disputado. Conquistava aos outros com uma facilidade que só ele não reconhecia, ajudado por uma ou duas estrofes de Neruda bem aprendidas. Ele ali, com seu pandeiro na ponta dos dedos, fazia sambar os corações que o escutavam.

As figuras noturnas da Cinelândia se aventuravam por ele, as senhoras de Copacabana se encantavam por ele, as moçoilas do Castelinho se derretiam por ele. Aquele personagem enigmático de Ipanema era querido por todos, mas passava a maior parte do seu tempo, mesmo, entre seus escritos multiplicados pelo intelecto transbordante.

Apesar do perfil austero, Menino– e o seu pandeiro – fazia presença nas reuniões noturnas da Zona Sul. Os que não questionavam sua origem questionavam por que aquele bom-partido estaria sempre sozinho. Em uma noite, na festa típica de cobertura carioca, o avistaram chegando lá embaixo, de camisa xadrez, camuflado entre as pedras branco-e-pretas da calçada e lembro de ter ouvido, pela última vez, a resposta àquela pergunta: “Oras, ele é bom demais para qualquer um”.

No entanto, ninguém o viu entrar na festa aquela noite. Passado um tempo na madrugada, alguns reconheceram de leve o som do seu pandeiro lá na orla, abafado pela maresia. Tinha uma melodia diferente, meio valseada. Encantadora, como sempre, mas, dessa vez, também encantada. Desde então, nunca mais ousaram duvidar da sua carioquice. Afinal, para a fauna de Ipanema, um paulistano nunca poderia ser tão apaixonado quanto a melodia daquele pandeiro.






JG

sábado, 11 de junho de 2011

Eles são cariocas (uma biografia fantasiada) - Parte 1

João Gabriel “Janjão” Almeida Sá
n. 1987. Sapateador, banqueiro e apaixonado.

João Gabriel é carioca, sim, mas nunca morou em Ipanema literalmente falando. Veio ao mundo no bairro de Botafogo e foi exilado no paraíso tropical aposentado do Rio de Janeiro: a Ilha do Governador. No entanto seu coração, arredio, assim que chegou em terras mundanas, correu pra boemia de Ipanema e lá vive até hoje. Só entre os bares de poetas e luzes noturnas de paixões fugazes, poderia seu coração viver satisfeito. Por ter o mesmo nome do primo, que nasceu um ano depois e tomou sua exclusividade substantiva, foi apelidado de “Janjão” – alcunha que acabou determinando sua natureza ingênua, boa e, podemos dizer, gente fina.

O Coração de Janjão passeava por Ipanema e parava em qualquer banco com boa iluminação para ler um soneto novo ou escrever uma rima boba. Via os amores passando entre jeans, saias e sungas. Sociável e eremita, o Coração de Janjão poderia estar às gargalhadas e piadas infames entre grupos animados da Praça Nossa Sra. da Paz à tarde, mas ser encontrado sozinho no topo do Arpoador com seu bloquinho pintado de rabiscos no início da noite.

Nas reuniões periódicas entre amigos, colegas, desconhecidos descolados e bicões farristas, o Coração de Janjão disfarçava a solidão com ritmo. Ritmos loucos.Entre o dois pra lá de um samba e dois pra cá de um rock, ele era a figura mais animada da noite, era o que eu mesmo, sempre pensava dele, ali, pulsando animação.

Uma noite, Janjão percebeu que seu corpo perecia com seu Coração tão longe e resolveu aparecer em uma dessas reuniões típicas das coberturas inalcançáveis da Vieira Souto. Encontrou seu Coração no canto da sala barulhenta, debaixo de um abajur de luz amarela, cansado de toda euforia. Deu a mão a ele, ia saindo pela porta estreita, esbarrando entre copos e corpos, quando um rapaz de pandeiro na mão ia entrando, impedindo seu caminho. Ele conseguiu sair da cobertura, alcançou a calçada, chegou a pisar na areia, de onde nadaria até a Ilha. Mas o pandeiro tocou, tamborilou, encantou e o Coração de Janjão não conseguiu deixar Ipanema, nem deixou Janjão ir tampouco. Ele está ali até hoje, com o menino do pandeiro, sambando num ritmo lento com seu coração satisfeito.




JG

domingo, 5 de junho de 2011

Festa

A cidade se apaga aos poucos
E um bando de loucos.

E a vida
E os loucos
E eu
E você, loucos
E a vida...

E a noite, loucos
E as luzes
E o pouco, louco
                                basta.



JG com colaboração.

sábado, 21 de maio de 2011

Fantasmas

Houve uma época em que o Fantástico apresentava matérias, domingo sim-domingo também, sobre extraterrestres, abduções, chupa-cabras e afins. Eram imagens meios turvas, às vezes em tons de verde das filmagens noturnas e sempre muito misteriosas. Eu sentia uma vontade de assistir, mas sabia que ia morrer de medo mais tarde. Medo era uma coisa inexplicavelmente atraente. Não queria ver, tapava a cara, mas filtrava as  imagens entre os vãos dos dedos, como se as imagens parciais não fossem tão reais. Meu pai chegou a me dar um chaveiro em formato de Gremlin (depois da água), que seria a personificação do chupa-cabra, para ver se eu me acostumava com a fantasia toda, criada pela televisão.

Fantasmas eram o meu ponto fraco. Com essa imaginação fértil que nunca me faltou, eu via, ouvia, sentia a presença deles em todos os cantos durante a noite, sozinho no quarto. Desde então cultivei a mania de não conseguir dormir com as portas dos armários abertas. Minha mãe sempre dizia: "João, você é muito impressionado". Era mesmo. Fantasmas poderiam fazer qualquer coisa com a gente! às vezes eu até ficava pensando no que eu faria se eu fosse um. Quando ficava com muito medo e não conseguia dormir de desespero, o discurso materno era sempre o mesmo; "Os mortos já estão mortos, você tem que ter medo dos vivos!". Não sei porque, mas aquele mandamento sempre me remetia à imagem de um cemitério e me fazia ter mais medo. Para que ter medo dos vivos? - eu pensava. Talvez pela segurança que sentia entre os pais, ladrão e outras classes de inimigos públicos eram coisa de adultos e que não me atingiriam. Eu juro que me esforçava a pensar: "Não, João, os ladrões que sãos os maus de verdade". Não adiantava... Fantasmas continuavam dominando meus pesadelos.

Há três dias atrás eu vi a cena de um assassinato na minha faculdade, minha segunda casa em São Paulo.

Foi como um soco de realidade na minha cara, manchando de sangue a natureza do ser humano - minha própria espécie. Pela primeira vez não consegui dormir com medo do que o homem é capaz. E reconheci o discurso da minha mãe em toda a minha volta, percebendo que fantasmas não são tão ruins assim, afinal são os homens que fazem os fantasmas: com a imaginação ou com o ódio.


JG

domingo, 17 de abril de 2011

Cocada

Era meu gato quando morava no Rio. Ele tinha esse nome porque no tempo em que o adotamos, meu pai vendia água de coco na praia. Cocada era esperto, tranquilo e carinhoso. Meus pais nunca permitiram animal dentro de casa, então ele levava uma vida de gato de muro: caçando passarinhos, tomando sol no telhado e destruindo uma flor aqui e ali. Nos domingos eu acordava antes da casa toda e deixava ele entrar pra ficar comigo na sala enquanto eu assistia TV. Esperto, ele aproveitava a chance para burlar as leis domésticas. Tranquilo, ele se deitava do meu lado e quase dormia. Carinhoso, ele ronronava baixinho para conseguir tirar minha atenção dos desenhos animados.

Mas, Cocada era um gato. Não ficava mais de vinte minutos ali comigo. Queria logo seu quintal, seu muro, seus passarinhos... E nem por isso achava que gostava menos de mim ou eu dele, afinal, liberdade felina não é coisa para se brincar ou negar. Eu só entendia que ele queria ir, mudar, brincar. Sei que ele voltaria, mas não esperava que o fizesse, tomando sua natureza imprevisível. 

Percebi que tenho agido muito como cão e seria bom aceitar que ser gato de vez em quando é necessário. Assim como aceitar que existem muitos gatos por aí e que alguns podem voltar no domingo seguinte, outros não voltam mais.



JG

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Canções retornáveis

Hoje em dia elas nem são mais tão populares, mas há uns quinze anos atrás, era inconcebível a idéia de almoço no domingo sem Coca-Cola na garrafa retornável. Uns minutos antes de pôr a mesa com carne assada e macarronada, minha mãe gritava “João, vai na padaria comprar refrigerante”. Domingo sim, domingo não porque afinal de contas meu irmão também devia ter obrigações. E já no meio da rua minha mãe gritava de novo “Não esquece da garrafa lá no barracão!” (um espaço no fundo do quintal onde guardávamos tranqueiras).
Entregava a garrafa vazia no balcão da padaria e levava pra casa cheia. Por um tempo achei até que eles enchiam ali, na hora!
E era assim: levava vazia, enchia, bebia tudo, me deliciava e retornava. Até um ponto que deixei de esquecer a garrafa, sempre saindo de casa já com ela, e  parei de me perguntar onde eles enchiam a garrafa com o líquido maravilhoso.

Mas hoje ta tudo bem. Tirando o fato as compras que fiz com um dia de antecedência, quando, na verdade, elas deviam ser feitas no auge da carência e solidão. Compras para preencher com sacolas e etiquetas todos os espaços vazios da alma onde podem se alojar uma depressãozinha, sabe? Vai ver comprei tudo adiantado justamente para evitar ter que gastar o dobro com as lágrimas engolidas e o fone de ouvido no último volume tocando “Doth I protest too much” da Alanis.
Tava tudo bem. Foi uma premonição? Pode até ser. Porque hoje no metrô tocou Simple Together (também da Alanis) duas vezes seguidas mesmo com o shufle ligado.
Mas ta tudo bem. Com as micro-aulas de canto, improvisadas entre um vinho e os lençóis, aprendi com você a respirar: só para agora respirar fundo!
Tudo bem, as compras foram adiantadas mas o Gyn Tonica está sempre a postos na mesa do bar, na sala de estar.
Tudo bem, mesmo... Mesmo que eu não vá mais ter a chance de te escrever músicas ou entender as suas piadas. Porque só depois de sessenta e quatro anos eu começaria a entender o seu tipo de humor e quando for famoso não vai mais querer saber das minhas rimas cafonas.
Tá tudo bem, tudo bem tudo bem... Tudo dentro do mesmo ciclo de começos e fins, tão lógico e previsível à natureza humana quanto uma garrafa retornável.

Às vezes o coração da gente é assim: retornável. Quando esvazia a gente vai lá e pede pra encherem de novo, a gente bebe até a última gota, sacia a sede e sente aquela tristeza que dá em todo mundo no final do êxtase.
Outras vezes bebem todo nosso líquido e esquecem a garrafa lá no barracão, lá no fundo.

E eu? Eu vou dormir vazio e acordar cheio.

“Tonight i’m gonna rest my chemestry...” afinal, continuo “so young, so sweet, so surprised...”



JG

domingo, 10 de abril de 2011

A little cheesy jazz

(I think I'm feeling blue
but I'm not sure if blue it is
I guess it is something like this)

Sad as a table set with no flowers
Sad as the flowers waiting for a bee
Sad as the bee trying to reach outta window
The window I closed so then I couldn't see

The tables set along the walkside
The flowers blooming on trees
The bees flying upon the gardens
Flying free, free, free...

And all i wanted in this morning spring
Were you laying here next to me
Being lazy till the clocks beat noon
And have breakfast untill three

So I wouldn't feel so bad
So I'd forget how it's to feel...

Sad as a table set with no flowers
Sad as the flowers waiting for a bee
Sad as the bee trying to reach outta window
The window you closed so you could surprise me

The table is now set with flowers and candles
The flowers are smelling as the morning spring breeze
The bee can go out when you open the door
So we can be together tonight at least.

(Feeling blue is not so sad
when in the end of the day
blue is colorful instead.)