quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Fiz sol em mim. Assoprei as nuvens e deixei chover em algum lugar onde não desse às vistas. Pisquei meus olhos e eles se azularam como que celestes. Radiei calor pelos dedos e na palma da mão fiz uma flor brotar como forma de novo-dia. Descalcei o asfalto preso aos calcanhares e caminhei com pés de vento. Onde pisei era areia e praia. Meu corpo-mundo brilhou. Quando falei, cantei. Quando ouvi, rodopiei. Quando sorri, o mundo-mundo silenciou em branco.

"Vem!"

Me deu a mão cinzenta. Deixou a cadeira preta. Não desligou o monitor em que trabalhava. Os olhos de bits piscaram e começou a ver. Arriscou falar e cantou. Fez sol em si.

Fomos.



JG


"Acordei bemol
Tudo estava sustenido
Sol fazia
Só não fazia sentido"

-Paulo Leminski-


terça-feira, 29 de dezembro de 2009


A cada defeito feito desfaz um pouco o ser perfeito que conheceu lá trás.

Meus calos nos dedos, minhas unhas roídas, minha miopia, minha coluna torta, meus músculos minúsculos, meu nariz maiúsculo, meus cabelos embaraçados. Me veja, me toque e descobrirá cada defeito do lado de fora e me contará outros que ainda não descobri - estão encobertos.

Mas meus defeitos em segredo é que precisam ser descobertos. Meu passado calejado, minhas memórias roídas, minha melancolia, meus caminhos tortos, meus sucessos minúsculos, minhas preocupações maiúsculas, meus sentimentos embaraçados.

Fica quem conhece o todo e me aceita tudo do meu jeito roto.




JG




"Olhos que recolhem
Só tristeza e adeus
Para que os outros olhem
Com amor os seus."

-Vinícius de Moraes-

domingo, 13 de dezembro de 2009

somamores e divis(d)ores


9 dez | spam

te contei o quanto eu te amo?

te contei que te ver um pouquinho mesmo sem conversar muito

já acalmou minha saudade e me deixou super feliz?

9 dez
nao precisa contar. td ja sei pelo segundo do seu olhar
pelo toque infinitamente rápido do seu abraço
pelo jeito q me entende em tudo que faço
pelos sorrisos tortos. pelas piadas prontas
pelos murmúrios mudos. suspiros agudos
sei que me ama e não preciso fazer as contas.



JG



"eu tive um sonho ruim e acordei chorando
por isso eu te liguei
será que você ainda pensa em mim?
será que você... ainda pensa?"

-Cazuza

Inspirações do 20º andar

I

Não viveram os poetas em cavernas
Não se trancaram em porões
Não acordaram e morreram em prisões

Viveram, voaram e viram tudo quanto mais podiam.
Sentimento nasce dentro e se emoldura naquilo que se vê.

Quem vê mais voa e não volta.
Traz de volta tudo de fora
Pra entender tudo que há dentro
E depois botar tudo pra fora
no papel, em torno destes tormentos.


II

Daqui de cima entre lua e rua
cada janela amarela é vida uma
vivendo na sua entre blocos duros
escondendo a vida no escuro próprio dela.


III

Rasga as grades
invade
Corre as cortinas
invade
Assopra a poeira
passa
Derruba um quadro
vai

Como sangue nas veias
incorpora
Apaga as velas
dá vida

Vira a página do livro
continua
Roda o que lhe cata
colore

No vão da janela
assobia
No cabelo dela
me inspira

Inspiro-o e expiro na tinta
No papel vira versos de poesia.


JG


"mas o eco só responde:
onde?"

domingo, 6 de setembro de 2009

Chuva, frio e domingo. Não podia ser mais óbvio, mais melodramático.

Ela se debruçou sobre o umbral da janela assistindo aos que passavam pela rua fugindo dos pingos que caíam. Nesse momento pensou na tarde em que seu amor partiu. Fugiu de seus braços e se entregou à guerra como se entregava a ela.

Eu fui até a janela e o que vi foram pessoas de guarda-chuva, o asfalto molhado e as folhas se aglomerando nas sarjetas entupidas. Do jeito que é esperado em dias assim. Olhei a previsão do tempo, dei um palpite para a temperatura. Acontece como a metereologia disse.

Liguei a TV para ver as notícias, mas passava um filme triste. Fiz um chá. E pensei que meu amor não está na cidade. Organizei os textos que deveria ler ao longo dia. E o som da chuva lá fora inundava meus ouvidos. Arrumei o quarto. Joguei fora os papéis inúteis. Ouvi a janela batendo. Ouvi a batida no meu peito sentindo sua falta. Li as manchetes no jornal. Arrumei as cortinas. Olhei a rua.

Desliguei a TV, tomei o chá, fechei os olhos e me debrucei sobre o umbral da janela...





JG

sábado, 5 de setembro de 2009

Das mentiras que ouvi

Não se assuste quando eu disser uma fraqueza minha: outro dia contei uma mentira para agradar meu ego. Uma mentirinha boba do tipo “ah, eu já vi isso!” e na verdade nunca nem ter ouvido falar do assunto. E não pense com descaso que “todos nós fazemos isso”. Todos mentem assim alguma vez na vida. Verdade. Poucos assumem. Eu assumi (dessa vez) e me senti bem. No momento seguinte à curta humilhação provocada pelos ouvintes, é claro. Certos eles.

Mentiras que alimentam o ego servem apenas para falsear sua identidade. É como vestir o figurino de outro personagem que não te serve bem, mas você acredita que está perfeito! Sabe quando aquela moça com alguns quilos a mais veste uma blusa apertadinha, se enxerga linda, mas os olhares na rua denunciam o mau-gosto? (não entremos no mérito da questão de exemplo tão medíocre). Pois, mentir dessa forma é assim: só você pensa que está elegante, enquanto o público desconfia e prepara os tomates.

Pensando nisso me lembrei de Dorian Gray. Vivendo uma grande farsa para a platéia bravejar elogios múltiplos enquanto ele passa, enquanto ele fala, enquanto ele engana a todos. Engana e encanta. Veste sua alegoria tão bem maquinada para ludibriar a todos com histórias fantásticas! Estará mais satisfeito quanto mais amarem a ele – ou seu personagem. Pomposo cavalheiro. Inteligente. Bonito. Galante.

Pobre, morreu ao ver a própria verdade.



JG