domingo, 31 de julho de 2011

LUZAMOR

Uma manhã de domingo nublada e despretensiosa, sem nenhum atrativo extraordinário, acomoda senhores nos bancos da Parque da Luz. Entre as árvores dominantes, de postura firme e copas acolhedoras, os amores esperavam. Alguns grupos isolados tocavam viola, jogavam dados ou admiravam o povo passando enquanto salpicavam alguns comentários aqui e ali. Mas muitos estão sozinhos. Sentado no banco onde cabem dois, um sozinho só espera, com os braços entre as pernas e o olhar perdido entre o verde do jardim. Ao primeiro que encontrei, achei curioso. Parece que saiu de casa sem rumo, encontrou um banco e ocupou seu lugar de escultura, compondo naturalmente a paisagem. Mais uns passos e vi outro. Depois outra. E mais uns. Cada qual no seu banco, onde caberiam dois. Dois, como os casais de namorados que também pareciam se multiplicar a cada passo, a cada banco. Casais de namorados poderiam roubar minha atenção ou um sorriso, mas o que me intrigou foram esses Solitários e seus olhares de busca. Quando vi que do lado de um desses senhores, impregnado de melancolia como o próprio musgo nas esculturas, se sentou uma moça. Perdi o exato momento do encontro, mas percebi que eles não se conheciam nem tinham nada combinado. Mas se encontraram. Olhei ao redor imediatamente e notei os olhares virarem e suspirarem como se dissessem "Sortudo...". A ideia iluminou-se e esclareceu-me que estavam ali esperando amores. Amores que passariam a qualquer momento. Amores que cravaram tantas rugas por debaixo da suas peles tenras de estátuas, mas voltariam a passar para lhes dar vida novamente. Eles não procuravam, buscavam, caçavam o grande tesouro da humanidade que poderia estar enterrado em qualquer coração transeunte. Eles esperavam, com a certeza de que em algum domingo ele se sentaria ao seu lado sem ter nada combinado.

Nesse momento imaginei que eles estariam ali há séculos e continuariam assim, vivendo da própria fome. Se fossem acompanhados em algum domingo, provavelmente morreriam na terça ou quinta-feira após o tão aguardado encontro-não-combinado. Pois a espera é a calma das estátuas, que por não viverem, não morrem.


JG



"As flores de plástico não morrem."
- Tony Bellotto / Sérgio Britto / Charles Gavin / Paulo Miklos - 

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A morte de Amy, o choro de Chico e nenhuma conclusão.

Quando ouvi a notícia do au revoir às excentricidades de Amy Winehouse na manhã de sábado, a primeira e única explicação que me veio à cabeça foi: "Ela não conseguiu achar a resposta para toda suas questões românticas... nem mesmo nas drogas, onde procurou tão a fundo". (Posso chamar morrer de overdose de "suicídio culposo"?) Com certeza ela foi uma fanfarrona, mas além disso, acredito, ela buscava, de todas as formas, explicar o amor ou a ausência dele. Uma Madame Bovary da Cracolândia.

Se os gênios morrem de depressão, desilusão ou afogados na própria loucura, enquanto o caboclo entre o céu azul e a terra vermelha se vai de exaustão depois de anos de rotina simples, posso concluir que a felicidade está na conformidade da ignorância? Cada dia, cada desengano, cada decisão errada que tomo, penso mais e mais (ironicamente) que pensar demais não faz tão bem.

Não quero dizer que Amy Winehouse foi grande filósofa do século XXI, mas acredito que sua busca intensa é a concretização da dor daqueles que se questionam tanto.

Minha idéia? Vamos baixar um referendo deletando as metáforas e metafísicas! Vamos erguer um monumento a Alberto Caeiro em praça pública! (ou não, pois esta seria o próprio anti-movimento). Vamos trazer o subjetivo à tona e deixar a objetividade reinar. Vamos preencher a semiótica e deixar a ótica lógica e sem óculos. Uma vez ouvi uma crítica do Manoel de Barros a um simples livro infantil dizendo que "a metáfora empobrece a poesia". Isso mesmo! Pensar dói e complica.

No domingo seguinte, ouvi Chico Buarque o dia inteiro - suas tramas, rimas, enredos e idéias geniais sobre a vida, o amor, as mulheres... e de repente me toquei: "Porra, Chico! Eu admiro fanaticamente seu trabalho, mas convenhamos que a vida seria muito mais fácil sem você". Ao mesmo tempo que suas letras explicam tantos sentimentos e eventos confusos, plantam vento nos neurônios apaixonados, que acabam se afogando na tempestade que colhem.

Estou começando a achar que essa síndrome de Zequinha que ronda minha rotina deve ser estancada o mais rápido possível. Em vem de "por quê? por quê? por quê?" vou começar a aplicar mais "Ah, tá..." 's e seguir em frente fingindo que não vi a flor brotando no muro, como tanta gente faz. Viva a sabedoria de Clarice Lispector quando convicta afirma que "o cão é livre pois é o mistério vivo que não se indaga". Au!

Não sei se culpo uma fagulha de artista que resiste em mim, não sei se leio demais, não sei se tenho 7º sentido, não sei se a posição de Netuno não convergia com a constelação de Gêmeos quando nasci... Só sei que parece muito mais fácil quando vejo os outros tão alheios ao céu pintado com todos os tons de dourado às 16h30, da janela do escritório.


JG


"Mentira..."
-Chico Buarque - Samba do Grande Amor