sábado, 30 de janeiro de 2010

Ninguém disse que seria fácil

Ela podia fazer várias interpretações daquele riso, mas preferiu, simplesmente, sorrir em troca.

Naquela tarde, ela recebeu a notícia que era motivo de sua ansiedade há alguns dias, mas não da maneira que esperava. Em uma conversa com os amigos, descobriu que o papel que tanto desejava fora dado para uma amiga de um amigo seu. Desse modo: informal, descontraído e distante. Na última semana, ela não tirava o celular do bolso durante o dia e verificava seus e-mails em curtos intervalos. Que viesse logo a resposta e aliviasse sua ansiedade! E de repente, o esperado sai inesperado, solto no ar no meio de uma conversa sobre "o que você tem feito?" como um aviãozinho de papel onde o locutor-piloto não sabia que a ouvinte-pista não esperava um pouso desses: de emergência e pré-catastrófico. Porém, não se abalou. (Não acreditou de momento e repassou mentalmente os passos da audição) Com todos seus amigos ali, à sua volta, era como uma dor no pé durante a aula de balé: facilmente esqueceu. Depois, quando ficou sozinha e a música parou de tocar, ela se tocou. No caminho de volta pra casa, só duas estrelas, das zilhões que existem, conseguiam brilhar no céu escuro da cidade. Só duas, conseguiam. E ela não era uma delas.

No ponto de ônibus, parou para esperar. Parou. E pensou. E se culpou. E se diminuiu. E desistiu. E pensou, pensou... Enquanto esperava, uma criança no colo da mãe falava bobagens que invadiam seu pensamento. Ela reparou na criança com os dois braços atrofiados, num deles uma espécie de prótese, e a criança sorriu sinceramente. E quando a criança viu que a menina a reparava, sorriu mais, com uma graça infantil que se transformou em curtos soluços de gargalhada. A criança sorria respondendo ao olhar e gesticulava os bracinhos com entusiasmo. E entre seus risos a criança soltou um gracejo inocente e tímido dizendo: "boba...". Ela não deixou de olhar a criança enquanto subia no ônibus que acabara de chegar.

Ela podia fazer várias interpretações daquele riso, mas preferiu, simplesmente, rir em troca.



JG





"Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem"
-Chico Buarque-

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Hoje acertei o sal no almoço.

Mas falta sal em mim - ando tão sem gosto. A rotina foi me cozinhando em desgostos que acabaram me azedando. Aí não acertei a mão no preparo da saudade, exagerei a quantidade na pitada de lágrimas e errei a medida de preocupações da idade. Agora toda essa mistura tá com gosto acentuado de amargura. O que fazer? Saiu do ponto! A receita preparada a contra-gosto tá intragável de contorcer o rosto. Mas engulo! Goela a baixo! E parto pro preparo do próximo prato: a sobremesa! Pra deixar esse texto mais doce e a vida um pouquinho mais fácil.



JG




"Se o bolo fica sem ovo
Se a massa não tem fermento
Se não cozinha por dentro
Vai tudo por água abaixo!"
-Elis Regina canta-

domingo, 24 de janeiro de 2010

Só mais um

Eu hoje queria vomitar aqui mais um poema
Mas não vai dar, embora valha a pena
Queria falar da minha inquietação, do meu cansaço
Mas não adianta! Não acho tema!
E sem a tal da inspiração nao sei o que faço...

Mas espere! Por mais inacreditável que seja!
Olhando assim, vejo produto da minha peleja
Versos truncados sem querer e sem propósito!
Fiz poema de repente, e você veja,
É só mais um pro meu literato depósito.



JG

sábado, 23 de janeiro de 2010

Onde

Nada como ter um lugar para poder chamar de seu. Com sua calma e seus afazeres. Com seu cheiro e o cheiro de quem convidar. Um lugar para fugir. Para pintar minhas paredes com os desenhos que sonho. Para pisar no assoalho sempre com ritmo e ter uma trilha sonora sempre harmonizando. E as pegadas de pés descalços, que marcam um dia-a-dia próprio, ficam impregnadas como parte da decoração. Com janelas que sejam extensões das minhas crenças ou que sirvam melhor que uma televisão. Pode ser uma casa muito engraçada, desde que com teto, chão, parede e rede. Um lugar para guardar as histórias que vivo na rua. Não um quartinho escuro. Quero histórias-móveis para espalhá-las por todos os cômodos e me debruçar, deitar, escrever sobre elas. Quero meu lar. Que não seja sempre doce-lar pra não enjoar. Quero meu quarto. E um quarto de queijo bola na geladeira. Quero meu canto. Com direito a notas desafinadas no chuveiro.

E quero você nessa bagunça toda...


JG



"Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais"
-Zé Rodrix-

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

(Im)Previsto

Freando seu Uno cinza em frente ao semáforo vermelho, ela aproveita o trânsito parado para se olhar no retrovisor e corrigir alguma falha. Bagunça um pouco os cachos revoltos para não parecer que se arrumou muito e molha na ponta da língua um guardanapo para tirar algum excesso de maquiagem. Dessa vez ele já vai estar lá, esperando por ela. Seu sorriso infantil mostra seu nervosismo bobo - no limiar da ansiedade controlada e o prazer de deixá-lo esperando só mais um pouquinho. Av. Paulista, sua maquiagem e a previsão de chuva. Mas, dessa vez, ele já deve estar lá, esperando por ela.
-
Sentada, esperando, ela perde o olhar e perde o ônibus. Quando tenta se levantar para talvez alcançá-lo, percebe que já perdeu tanto que acostumou a esperar. Esperar até pela esperança. Seus olhos varrem o chão, a rua. Se prende em coisas e não repara as pessoas. Tudo olha, mas não olha para cima. Os olhos carregam os ombros para baixo e puxam suspiros longos. A sacola de papel na sua mão não parece pesar mais que seu semblante. A outra mão acaricia o ventre. Av. Paulista, sua sacola e a previsão de chuva. Mas ela tudo olha, menos pra cima.
-
Correndo. Correndo. Numa mão o paletó e na outra um aceno constante que busca projetar mais longe seus olhos que miram o rabo-de-cavalo loiro do outro lado da rua. Um assobio é emudecido na sinfonia do caos urbano. Ele não leva nas mãos algo que ela tenha esquecido no escritório. Eles nem trabalham juntos. Ele é que não esqueceu nada. E seu olhar esperançoso - de maratonista avistando o pódium - contempla uma possibilidade única. Av. Paulista, seu aceno e a previsão de chuva. Mas ele não esqueceu nada.
-
A chuva lava a cidade e as almas.




JG

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

30mg de au revoir

Eu não queria escrever sobre isso em primeira pessoa, mas aqui vai: não sou bom com despedidas. Nos últimos dias tenho tomado doses homeopáticas de despedidas, mas hoje tomei uma dose cavalar que me fez ter certeza disso. Não delongo na hora do "adeus", "tchau", "até logo" por mais do que dois minutos (e nem gosto de tocar no assunto). Se é para ir que vá logo sem possibilidade de arrependimento e ficar e acabar dando "adeus", "tchau", "até logo" mais algumas vezes como alguns românticos consideram adorável.

E se você estiver pensando que é desapego, pense exatamente o contrário. Não me agrada ficar cozinhando em banho-maria a sensação horrível que existe no limbo entre presença e ausência. É um pouco de conformismo, eu diria. Se não há outra possibilidade senão a partida, se já vou sofrer nos momentos seguintes, para que procrastinar o sofrimento no seu ápice? Pior do que a saudade é a perda.

Deve ser como uma injeção! Fure logo, incomode rápido e depois deixa ir se acostumando com a dor. Simples. E, como uma injeção, a despedida é necessária: a injeção, por motivos biologicamente óbvios; mas a despedida serve para acostumar a dor até extingui-la, lembrando do momento do tchau como a fulgás felicidade do último momento juntos.

No entanto, não adianta negar, quando damos "adeus", tomamos, inconscientemente, uma dose de "um dia vocês vão se ver de novo".
E esse placebo é tão bom...


JG

Anatomia de uma partida

E lá se vão dois dos melhores ombros que já conheci. Dois ombros para dançar ou se lamentar. Aqueles dois ombros têm movimentos típicos que já identifiquei nos primeiros seis meses de convivência. Inconscientemente, vira e mexe, eles se levantam e rodam para trás e corrigem a postura do seu dono. Ou então quando este queria sair do recinto, jogava os ombros para trás, olhava pra baixo e saia com passo apressado.
Esses dois ombros vão viajar e nem sei quando voltam.

Se em um surto de surrealismo anatômico, eu pudesse deixar só os dois ombros irem eu ainda não ficaria feliz. Porque, junto com as articulações, também vão-se os braços que também têm uma história à parte - são esses que são jogados para cima antes de rodar três vezes, depois jogados para frente para balançar os dois ombros, numa coreografia digna de socialites excêntricas.

E como essa minha imaginação de Jack Estripador não será concebível já sinto falta de cada pedacinho... Dos ouvidos! que me aguentavam ao telefone ou na sala de aula - em volume não controlável. Ah! vou sentir falta do rosto de constrangimento enquanto eu não media minhas palavras. E junto com os ouvidos vão também todos os sentidos em sentido à Europa. O tato, não só o de pele, mas aquele para das conselhos inteligentes em situações perigosas. O olhar, principalmente aquele específico que se perdia entre os transeuntes bem-apessoados e eu já entendia tudo. O paladar, principalmente o meu, que era agraciado com delícias maternas. O olfato, que por fim se deu bem com avisos anti-fumo.

Mas, falam as partes pelo todo? Cada pedaço desses seria suficiente? Não, se você não conhece esse amigo, não entenderá cada parte sem o todo. E minha saudade, que hoje está com as horas contadas, é por esse quebra-cabeça completo. Perfeito quando está tudo junto - de preferência emoldurando um sorriso tão confortante.



JG



ps: boa viagem, amigo. Tenha experiências maravilhosas por lá e aproveite muito! Seja feliz, porque merece. E depois me conta tudo! A saudade vai ser grande mas estou incrivelmente feliz por você. Abraços.





Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.

-Milton Nascimento-

domingo, 17 de janeiro de 2010

Do que aprendi com a platéia

Concentração. Os dois pés se movimentam no ritmo. A batida sincopada. Fazem música em percussão ligeira. Velocidade. Agilidade. Sapateado na calçada de ruídos da cidade.
Passa ônibus. Buzina carro. Grita mãe. Soa fone. Assobia menino. E os pés batem. batem. bat-bat-batem. tem-tem-bat-batem. tem-tem-bat. Forte. Mais rápido. mais rápido mais rápido maisrápidSalta....................cai e acaba.

Aplausos para os pés cansados e reverências de gratificação sincera.

Uma se dirige a ele - "Você devia olhar menos pro chão e olhar mais para as pessoas que assistem. O mais cativante é o seu sorriso." - diz sorrindo.

E é verdade. Nos próximos passos ele vai de cabeça erguida e repara em cada olhar. A resposta e a razão de cada ritmo está no olhar de quem assiste.
Uma surpresa. Uma admiração. Uma reprovação. Uma indiferença. Uma curiosidade.
Quem dança o faz para alguém ver e espera um reação mesmo que não seja positiva. O sapateador, então, aprende a sorrir para quem o repara e pesca no olhar do transeunte uma reação.

Ela passa e ele olha - sem parar de bater os pés. Ela olha pra trás e põe os dedões pra cima com um sorriso impagável! As crianças desobedecem os pais e páram para assistir admiradas...

E o sapateador pensa: "o chapéu já está cheio, mas as gorjetas mais valiosas estão aqui fora".



JG

"Smile if your heart is aching."
-Chaplin-

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Vazio

Tantos poemas no peito
que morrem na garganta
que não escorrem pelos dedos.
Meia dúzia de pensamentos vagos,
e palavras perdidas
Mas a necessidade inerente de escrever.
Declarações de um Romeu tímido,
discursos de um Hamlet mudo.

Na ponta da caneta
só desespero e tinta preta
que se derramam no papel
feito prantos dadaístas.


JG

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Um texto antigo que recuperei do fotolog. Antigo, mas ainda tão importante pra mim.


"Um dia ainda vou escrever um livro sobre um menino que cresceu acreditando só no amor e em mais nada.
Sem religiao, sem outros sentimentos. Tudo que sentia acreditava que era Amor, ou consequência dele.
Quando via pássaros, via que eles também amavam, assim como os gatos, o portão e a trepadeira, as mesas e cadeiras. Tudo era ligado e amava.
Quando chorava era pela falta de Amor, quando brigava era para ensinar a amar.
Tudo era Amor. E quando descobriu isso mais tarde acreditou que era uma pessoa boa.
Amou muito. Descobriu, ouvindo, que a coisa mais incrível da vida era amar e ser amado. Depois refletiu e pensou que a pior coisa da vida era ter o poder de amar e ninguém notar.
Chegou a colecionar amores. Como um dia fez com figurinhas e pedras de rio.
Pensou, ao decidir sua profissão, se não teria a oportunidade de fazer uma faculdade para trabalhar no Ministério do Coração.
Cantou todas as músicas que falavam de amor. Leu todos os livros. Decorou e declamou poesias pra mostrar que vive disso e somente disso. Disso: de Amar.
Numa sexta-feira nosso protagonista resolve sair de casa e se divertir. O tiro sai pela culatra. Passa a noite assistindo a amores instantâneos. E fica indignado ao ver o amor se alastrando de forma instantânea como se faz um miojo. "Aqueça um olhar até ferver, depois junte sua cantada, tempere aos gostos, espere três minutos e delicie-se". Aquela levianidade o deixou mal. Se sentiu incompreendido, adoeceu. Ele que se preocupava tanto em amar via o amor escorrer por aí - pisado como água suja de chuva em poças na rua.


ainda nao sei o final.
mas acho que ele tem algo de Macabea."



JG



Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
-Drummond-

domingo, 10 de janeiro de 2010

Da reflexão necessária

Um dia tudo acaba. Fecha os olhos e, simplesmente, acaba. E eu sei que um dia esse dia (mais cedo ou mais tarde) vai chegar. E qual vai ser o meu último texto escrito aqui? Quero gostar do último verso que escrever. Serei uma alma penada com certeza, se não escrever tudo que penso e sinto antes de partir. E se for amanhã? Vou ser enterrado de unhas ainda roídas: no túmulo com meus vícios - que fechem minhas mãos para que ninguém as repare. E vou deixar alguns livros sem saber o fim e uma despedida sem graça. Às vezes acho que a gente devia receber um aviso de alerta, como aqueles em lan-houses: "Faltam 10min para expirar sua sessão". E aí a gente vê se escreve alguma coisa especial, dá um tchau personalizado e pede os moldes pra festa de bota-fora.

Mas mesmo assim, nunca vai dar tempo pra tudo e sempre vai restar algo inacabado. Então é melhor tentar viver com os pingos nos i's e os pratos limpos. De preferência sempre perfumado, com os dentes escovados e bem vestido.

Agora durmo...
Mas amanhã, acordo! E tenho dito.



JG



"Filosofar é aprender a morrer."
-Montaigne-

sábado, 9 de janeiro de 2010

Duas estrofes curtas

Memórias bo(b)as

Três dias de casa vazia
Recheada com o que há de melhor
no quesito companhia.


Flashes do céu negro

Conto-os e eles me encantam
Gritam nossos sustos
Fotografam nossos medos
No negativo, o positivo de ser natureza.



JG

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Quis escrever um drama (sem)(de) propósito

Eles têm uma vida comum. Uma vida de família. Dependendo qual padrão de família você reconhece. Pais e um filho: dois sorrisos falsos e um sempre emburrado saindo de restaurantes caros, entrando em carros bem equipados.

À noite ela espera sentada no sofá, de frente para a porta que ameaça ser aberta a cada instante. No robe confortável, à meia-luz e um copo que merecia um whisky mas só tem água. Água do gelo derretido, é claro. Ela mantém um perfil de olhar vago para dramatizar o passado e maquinar a cena por vir.

Quando a chave gira na porta ele já espera uma atitude e nem se preocupa em entrar pé-ante-pé no apartamento. Sabe que são os dois apenas. "Papai, viaja para Paris e me deixa de enfermeiro com essa louca."

"Você... criado como um cartão de crédito, a quem ele ama igual ou ainda mais. Quem você pensa que é, pequeno monte de ganância vestido em cifrões dos outros?"
Voz calma, soberba e ligeiramente insana. O script está correndo bem... "agora ele vai suspirar, dar de ombros e sair para o quarto. Minha deixa."

"Não! Chega de fingir que os problemas não estão crescendo entre nós. Eu não sei mais da sua vida sem rumo desde que você saiu daqui, ó!"

- Cala a boca e vai dormir, mamãe.


Ele está passeando, trabalhando, comendo croissant e se divertindo com amantes. Ah, porque me exigem manter uma família?



JG

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Paratodos

Sempre tenho vontade de escrever sobre pessoas que valham algumas palavras pensadas.

Como um amigo que se tornou muito próximo e indispensável nos últimos anos, mas agora vai passar um ano em Paris. Ou outra amiga que é quase uma segunda mãe, uma irmã que não tive e por isso às vezes chamo de irmãemiga. Ou aquela outra que é a única a entender meu dialeto, pois, desde sempre, comeu biscoitos (não, não bolachas) comigo.
Como um "ex-namorado" que se tornou um "pra-sempre-amigo". Como aquele cara que era um mala há um ano e hoje é um amigo que me ajuda a carregar os pesos. E aquele que é tão fechado pra falar mas sempre está de coração aberto pra ouvir ou rir dos outros. Ou aquela que sempre me põe os pés no chão, apesar de voarmos juntos por cima das redes. Como a outra amiga que me ajuda a racionalizar os sentimentos e tornou-se essencial. Como a mãe, o pai, a tia, a vó, o irmão, a sobrinha que tanto ensinam. Como uma menina da lua que escreve poemas a quatro mãos comigo. Ou como a outra que acha que escreve mal mas tanto me emocionou com frases simples.

Como o porteiro, o vizinho, o cachorro do vizinho, o mendigo.
Sem nomes, porque cada um não é um título, mas cada aquilo que sei e sinto.


Algumas vezes tenho certeza, noutras me surpreendo ao saber quem realmente pode dar idéias a boas palavras pensadas (outro dia foram apenas duas garotas na praia). O mais divertido é ir descobrindo quem realmente vale alguns minutos de queima de neurônios na frente do monitor.

Como o desconhecido na fila do ônibus.



JG

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Três vovós



Eram três vovós da minha vida. Três sem nome, sem parentesco. Até hoje me confundo com os nomes e com suas posições na arvore genealógica. Mas essa era a diversão. Eram simplesmente vovós. Que fazem bolo, apertam bochechas e contam histórias.

A primeira me dava caixas de remédios para brincar. Com meus cinco anos não me preocupava com o fato dela tomar tantos remédios. Simplesmente achava muito bom que os tomasse pois assim eu teria mais prédios e carrinhos. Eu me jogava na sua cadeira de balanço sem ouvir seus conselhos de "esse menino vai cair com a cabeça no chão". Era a Doca (acho que veio de Dondoca) que cheirava a talco e morava do lado da farmácia de homeopatia. (Bolinhas brancas, doces, maravilhosas!) Foi a Doca que deu tchau mais cedo e me deixou poucas e boas lembranças, menos a lembrança do seu adeus.

A segunda me dava recortes de jornal com trechos de poesias para que eu as lesse para ela quando não podia mais sair da cama. Aos meus sete anos, era um ótimo exercício! Ela estava sempre muito bem vestida e de azul claro. A dentadura fazia barulho quando falava e os olhos estavam sempre marejados. O seu sorriso era o melhor pagamento depois de ler tantos recortes de jornal. Tinha um que me lembro até hoje sobre uma andorinha. Acabou o verão e a vovó Joaninha se foi (a única certeza que tenho é que ela não se chamava Joana). Lembro da minha mãe passando a noite ao seu lado no velório. Foi a primeira pessoa dormindo pra sempre que eu vi.

A terceira me dava elogios por cima do muro para dizer que eu tocava teclado muito bem. Ela nunca soube que aos nove anos eu não sabia tocar, eram apenas músicas gravadas no teclado. Ela ficava feliz, era o que importava. Eu brincava com os seus apoios para colherzinhas de café. Eram divertidíssimos! Perfeitos para serem cavalos! E a tia Mariazinha (era como eu escutava minha mãe chamá-la) só tomava leite em pó! Nunca entendi aquilo, era tão ruim e difícil de fazer! A tia Mariazinha era a mais nova e a que falava que ia morrer a cada espirro. Foi a última a dar tchau em um suspiro longo e calmo de "até que enfim! eu disse!" no ano passado.

As três me deram muitas perguntas. Coisas que nunca entendi quando criança e que hoje já esqueci o que eram. Os adultos nunca comentavam dela muito tempo na minha frente. E a casa delas era cheia de coisas engraçadas e misteriosas. Como um quadro feito de madeira esculpida que estava sempre cheio de poeira. As sensações que essas três me proporcionaram serviram muito bem para pincelar minha infância com tantas dúvidas e descobertas.

Que minhas rugas também sirvam tanto para alguém, algum dia.



JG

ps: na foto(esq pra dir): Tia Mariazinha, Tia Vivi, Tia Maria, Doca e vovó Joaninha.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Uma das coisas que mais gosto de estar na praia é poder sentar para ver o MAR. E sentado num tronco velho jogado na areia, gosto de pensar sem pensar no que pensar. O ir e vir de pessoas e ondas, o ir do sol e o vir do vento já bastam para derramar palavras e pensamentos. As cores inesperadas do céu preenchem a folha em branco, facilmente. Sem pensar em nada, o pensamento não mente. A sinceridade do prazer no ócio cala a inspiração forçada, desfaz os versos medidos, fica a intensidade espontânea da fala.

E nessa liberdade dinâmica, dou asas de Ícaro ao meu pensamento. E ele voa direto pra você, perde suas asas e não volta nunca mais.


JG

Elas duas caminhavam mais devagar que as ondas do mar.
Elas quatro no espelho d'água que se forma na areia.
As roupas curtas, os risos largos e os braços dançando ao lado do corpo. Infantilmente.
Elas duas no pôr-do-sol. Douradas.

Olham o mar, as ondas, as pranchas, as sungas.
Risos que puxam os cabelos para trás das orelhas.
Pensamentos que fecham os olhos.
Olham para baixo.
Pensam no mesmo, elas duas.

Elas duas querem outros dois.
Eles quatro brincando no mar.
Elas duas na areia a sonhar.

Eles oito no espelho do mar balançando as mãos dadas.
Infantilmente.

Suas pegadas escrevem versos na areia.
Oito pegadas. Marcadas e apagadas no espelho d'água.
Como se as ondas se alimentassem de versos e bebessem histórias sobre mãos dadas.

Eles quatro e o verão a acabar.
Elas duas e história a contar.
Eles dois e ondas a surfar.

E o mar.
Arredio, dourado, alimentado.



JG


sábado, 2 de janeiro de 2010

ANO NOVO de novo. 2010 pela primeira vez. Foi com esse pensamento na cabeça que adentrei esse novo ano. Porque somos tão necessitados de novas chances pra tentar fazer tudo de um jeito menos errado. Porque é necessária uma virada de página, ou um caderno inteiro com folhas brancas para reescrever tudo e tentar desentortar as linhas.
Comecei tentando escrever um poeminha meio que bagunçado que deixei inacabado, mas depois percebi que fim não precisava:

Quando na mudança, escrevemos sobre o como e porquê
"Por quê?", motivo da mudança,
Mudança de um novo como.

Quando no fim, escrevemos sobre o começo e o meio.
Meio que é causa do fim,
Fim que é mais um novo começo.

Quando antes do novo, escrevemos sobre o depois.
Depois que dá medo antes,
Antes que comece tudo de novo.

Quando no "quando?", escrevemos sobre o enquanto
Enquanto cada quando
Deve ser vivido no seu próprio canto.



Bom 2010 a todos. Que seja um ano extraordinário pelo simples fato de ser um ano novo.


JG



"Antes eu achava impossível, mas há, sim, felicidade no vulgar."
-Ana Paula Martinho Saltão-