Tinha um cara tocando flauta na entrada do metrô e no corredor à frente as pilastras carregavam poesias rápidas de poetas antigos. E a criança parou para ouvir a flauta. E a senhora parou para ler os versos. E o homem de ar cansado cruzou os braços para entender as rimas. E a mulher apressada diminui o passo para reparar na flauta. Poucos eram os alheios.
Lá fora o mundo desabava em água. Os passageiros dos ônibus desciam fora dos pontos, pois o trânsito não andava. Faróis vermelhos como sangue estancado numa cidade que pulsa em ritmo acelerado. E era um nordestino de sotaque forte que reclamava de um paulista turrão. E era um engravatado que concordava com a dona-de-casa tagarela. E era um vendedor ambulante. E era uma estudante tentando carregar os livros. Todos no mesmo fluxo.
É um atrasado para o cinema. É uma atrasada para entrevista de emprego. É um calmo sem atraso para uma exposição. É uma que foi assaltada e chora. São dois que se conheceram ali no ônibus.
A cidade nos arrasta, traga, atrasa e traz o pão e circo. Numa relação de constantes e sucessivas mordidas e assopradas. Reclame a semana inteira e converse em um bar no fim-de-semana. Tussa a semana inteira e ande de bicilceta no fim-de-semana. Acorde cansado na segunda e vá a qualquer canto na quarta. Atrase para algum compromisso, mas ouça a flauta no meio do caminho.
No caos durante o circo, o palhaço continua divertido. Eu rio e Rio só de vez em quando.
JG
"O avesso do avesso do avesso"
- Caetano -
E Rio só as vezes, infeliz-mente.
ResponderExcluire eu ainda querendo viver por aí..
ResponderExcluirconflito necessário, eu acredito. Pelo menos por agora..
manicômio de cegos que o saramago descreve tão bem..