sexta-feira, 24 de junho de 2011

PAIXÃO

Meu melhor amigo na minha infância tranquila de bairro e com parentes muito presentes, era minha prima, Jéssica Romero: um ano mais nova que eu e com infinita imaginação para brincadeiras. A nossa favorita era brincar de boneca. Ela tinha dezenas de Barbies e apetrechos, acessórios que guardavam histórias para nos divertimos por horas. Fazíamos mobílias para a casinha com recortes de papelão, organizávamos espetáculos de mentirinha e traçávamos tramas dignas de novelas mexicanas para os brinquedos. As bonecas da minha prima voavam e tinham telepatia. Sim. Eu era criança, inocente e muito feliz.

Da noite pro dia, meus pais resolveram que eu não devia fazer mais aquilo e eu percebi que teria que começar a brincar escondido. Eu ia fazer o que eu queria, oras. Por que não? Não é o certo?

Só hoje, começo a conhecer a resposta...

Uns tempos depois, ouvi que "só os artistas são realmente felizes, porque trabalham com aquilo que gostam". Nessa jornada da vida, onde a jornada de trabalho ocupa quase um terço do nosso tempo, algumas vezes muito mais que isso, ser feliz com o que se faz é realmente um objetivo muito importante a ser alcançado.

Fui assistir um espetáculo musical esta noite e uma das atrizes se destacou tanto nos holofotes que o comentário no caminho de volta foi: "É tão gostoso ver alguém fazendo algo com tanta paixão." Era esse o diferencial da atriz. Mas não significa que essa felicidade é exclusiva dos artistas. É tão lindo ver um professor preocupado em dar melhores aulas, um jornalista, em escrever matérias mais interessantes, um economista, em buscar  novas formas de margem de lucro, simplesmente porque aquilo os fascina, porque aquilo os agrada.

E comecei a me perder entre as coisas que me apaixonam. Uma conversa boa e boas argumentações, as teclas pretas do teclado e a espera pela digitação de bons textos. Os bons textos. As danças...

"Mas João, nem sempre a gente faz o que gosta!". Concordo. O problema é quando a regra é "nem sempre a gente faz o que não gosta". Porque, afinal, um terço da sua vida não é coisa à toa.

Sabe o que eu e todo mundo devia fazer? Parar de reprimir suas paixões e brincar cada um com a sua "Barbie".


JG



"Ontem de manhã quando acordei
Olhei pra vida e me espantei
Eu tenho mais de 20 anos."


- Vítor Martins e Sueli Costa na voz da Elis-

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Dia 12 de junho

Quando passei o dia 12 de junho sozinho, muitos foram os amigos que questionaram por quê. "Você tem alguém incrível aí com você, vá estar com ele!" foi o tipo de apelo que ouvi. Mas eu estava bem em casa de meias grossas e estudando pra prova. Houve quem sugeriu que fosse trauma meu. Trauma? Não, não... calma. O que tem demais para ser comemorado no dia 12 de junho? Além do marco histórico para milhares de filipinos que comemoram sua celebrável independência nesta data, desconheço motivos válidos para comemorar com tamanha efusividade.

"Mas é dia dos namorados, João!". Dia dos namorados? É, já me preocupei com isso. Passei anos contabilizando dias 12 de junho em que passei sozinho e fingia comemorar minha solteirice (ou carência disfarçada). Depois, desculpe se soar presunçoso, vi que esse tal amor celebrado no dia 12 de junho não é passível de comemoração. Mas não se engane antes de eu terminar! Estou dizendo apenas que esse amor, de altar, beatificado e adorado como inalcançável nirvana não combina comigo. A exaltação do amor que extrapola a quantidade aceitável de corações que saltam às vistas em todas as vitrines torna tudo tão mais difícil, mais impraticável, irreal.

E pra mim é tão real. Tão palpável nas frases que me escreve. Tão acreditável no brilho dos seus olhos. É tão cotidiano como acordar e abrir os olhos: acordar e pensar em você. Tão leve, calmo.. Sem frufrus vermelhos e todos os tons de rosa! Pra mim é tão... tão normal!

Pra mim, n(amor)o não é jantar trufas brancas sob céu parisiense estrelado. N(amor)o é todo domingo, cheio de namorico, um franguinho assado e farofa pra depois do amorzinho, como dizia Vinícius.

E viva o dia 12 de junho, sim! Mas como mais um dia 12 de qualquer mês que eu tiver você do lado.



JG

domingo, 12 de junho de 2011

Eles são cariocas (uma biografia fantasiada) - Parte 2

Moço “Menino” Silva e Silva
n. 1988. Músico, jornalista e conquistador.

Até hoje é discutido, dos becos da Lapa às amendoeiras do Leblon, qual naturalidade de Moço Silva e Silva. Ele apareceu de repente no Rio como se fosse criado ali, mas nunca foi vista nenhuma foto sua de infância entre os paralelepípedos cariocas. Havia boatos, dos mais conspiradores, que seu sotaque era apenas uma boa imitação e, pasmem, na verdade ele era um monstro paulistano. Nada confirmado. Apesar de tudo que se falava dele, bem ou mal, o seu jeito tranqüilo e despreocupado de andar e levar a vida não deixava muitas dúvidas que, se não fosse a certidão de nascimento, ao menos seu coração era carioca. 

Virou Menino assim que notaram que Moço era demasiado formal para sua personalidade cativante. Ele passeava com seu sorriso maroto pela orla de Ipanema, de bermuda e camisa xadrez, e as moças de biquíni não tinham o que fazer, senão tentar um lugar ao sol da sua simpatia, quando se sentasse em um quiosque para um chopp rápido. Logo um amigo, um das centenas que o admiravam e estaria por ali à toa, sentava para puxar um precioso papo: conversar com Menino era um prestígio impagável e disputado. Conquistava aos outros com uma facilidade que só ele não reconhecia, ajudado por uma ou duas estrofes de Neruda bem aprendidas. Ele ali, com seu pandeiro na ponta dos dedos, fazia sambar os corações que o escutavam.

As figuras noturnas da Cinelândia se aventuravam por ele, as senhoras de Copacabana se encantavam por ele, as moçoilas do Castelinho se derretiam por ele. Aquele personagem enigmático de Ipanema era querido por todos, mas passava a maior parte do seu tempo, mesmo, entre seus escritos multiplicados pelo intelecto transbordante.

Apesar do perfil austero, Menino– e o seu pandeiro – fazia presença nas reuniões noturnas da Zona Sul. Os que não questionavam sua origem questionavam por que aquele bom-partido estaria sempre sozinho. Em uma noite, na festa típica de cobertura carioca, o avistaram chegando lá embaixo, de camisa xadrez, camuflado entre as pedras branco-e-pretas da calçada e lembro de ter ouvido, pela última vez, a resposta àquela pergunta: “Oras, ele é bom demais para qualquer um”.

No entanto, ninguém o viu entrar na festa aquela noite. Passado um tempo na madrugada, alguns reconheceram de leve o som do seu pandeiro lá na orla, abafado pela maresia. Tinha uma melodia diferente, meio valseada. Encantadora, como sempre, mas, dessa vez, também encantada. Desde então, nunca mais ousaram duvidar da sua carioquice. Afinal, para a fauna de Ipanema, um paulistano nunca poderia ser tão apaixonado quanto a melodia daquele pandeiro.






JG

sábado, 11 de junho de 2011

Eles são cariocas (uma biografia fantasiada) - Parte 1

João Gabriel “Janjão” Almeida Sá
n. 1987. Sapateador, banqueiro e apaixonado.

João Gabriel é carioca, sim, mas nunca morou em Ipanema literalmente falando. Veio ao mundo no bairro de Botafogo e foi exilado no paraíso tropical aposentado do Rio de Janeiro: a Ilha do Governador. No entanto seu coração, arredio, assim que chegou em terras mundanas, correu pra boemia de Ipanema e lá vive até hoje. Só entre os bares de poetas e luzes noturnas de paixões fugazes, poderia seu coração viver satisfeito. Por ter o mesmo nome do primo, que nasceu um ano depois e tomou sua exclusividade substantiva, foi apelidado de “Janjão” – alcunha que acabou determinando sua natureza ingênua, boa e, podemos dizer, gente fina.

O Coração de Janjão passeava por Ipanema e parava em qualquer banco com boa iluminação para ler um soneto novo ou escrever uma rima boba. Via os amores passando entre jeans, saias e sungas. Sociável e eremita, o Coração de Janjão poderia estar às gargalhadas e piadas infames entre grupos animados da Praça Nossa Sra. da Paz à tarde, mas ser encontrado sozinho no topo do Arpoador com seu bloquinho pintado de rabiscos no início da noite.

Nas reuniões periódicas entre amigos, colegas, desconhecidos descolados e bicões farristas, o Coração de Janjão disfarçava a solidão com ritmo. Ritmos loucos.Entre o dois pra lá de um samba e dois pra cá de um rock, ele era a figura mais animada da noite, era o que eu mesmo, sempre pensava dele, ali, pulsando animação.

Uma noite, Janjão percebeu que seu corpo perecia com seu Coração tão longe e resolveu aparecer em uma dessas reuniões típicas das coberturas inalcançáveis da Vieira Souto. Encontrou seu Coração no canto da sala barulhenta, debaixo de um abajur de luz amarela, cansado de toda euforia. Deu a mão a ele, ia saindo pela porta estreita, esbarrando entre copos e corpos, quando um rapaz de pandeiro na mão ia entrando, impedindo seu caminho. Ele conseguiu sair da cobertura, alcançou a calçada, chegou a pisar na areia, de onde nadaria até a Ilha. Mas o pandeiro tocou, tamborilou, encantou e o Coração de Janjão não conseguiu deixar Ipanema, nem deixou Janjão ir tampouco. Ele está ali até hoje, com o menino do pandeiro, sambando num ritmo lento com seu coração satisfeito.




JG

domingo, 5 de junho de 2011

Festa

A cidade se apaga aos poucos
E um bando de loucos.

E a vida
E os loucos
E eu
E você, loucos
E a vida...

E a noite, loucos
E as luzes
E o pouco, louco
                                basta.



JG com colaboração.