segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A ansiedade me consome, me come, meu tempo some.
E eu estou cruo, eu suo, mas não construo um futuro.
E eu tenho um sonho tamanho que-eu componho e não ganho
E eu canto tanto meu pranto, eu fujo, e sou o absurdo.

Eu passo dia cansado, eu vivo, trago e não faço
Eu trepo e bebo desgraças, finjo que danço a lambada
Eu nado fácil de costas numa piscina de cinzas
Juro que não sou das massas, eu quero tudo e sou nada.

E ando...

Numa avenida sem ladeira, sem bueiros

Num parque sem videiras, sem canteiros

Num precipício, sem beira

Num queira queira e não queira


No meu sonho sem Dalí, tudo é normal a vida inteira.

domingo, 24 de outubro de 2010

Exchange

The very first time we met
You gave me a long glance
Three frozen seconds in air
Like a silent, calm dance


And then you gave me your number
The perfect key to a future treasure
As days passed by, you kept giving me gifts
But those i cannot measure


You gave me your touch
You gave me so much
Your comprehension
Hot coffees and sweet teas


And now I wanna give you this
My song, my rhythm
I wanna give you me


So from now on
that's how it's gonna be
A true exchange between you and me
And it's all arranged
I'll be yours, you'll be mine
we are truly exchanged and it feels so fine.




JG


(Razão do texto: durante a noite me veio uma palavra (o título), no caminho de volta pra casa me veio uma idéia (a última estrofe) e depois disso baixou uma cafonice à la jason m'raz. E nem tenho vergonha disso)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Peças e pessoas

O primeiro quebra-cabeça que montei tinha 500 peças e era a foto de um cavalo em um campo de flores amarelas. Claro que não o concluí sozinho, afinal ainda era um novato naquela arte cheia de manhas que você vai aprendendo aos poucos. Minha mãe montou comigo, sobre um pedaço de papelão que depois encapamos com "contact" e penduramos na parede. Depois daquele cavalo, nunca mais parei. Quando queriam me alegrar, os parentes me davam quebra-cabeças de presente. Acabei pegando os vícios e as manhas, que, entre tantas, as principais para manter a sobrevivência mental durante a peleja das tantas peças miúdas eram: 1) sempre separe as peças azuis que formam o céu da paisagem e 2) nunca compre um quebra cabeça com muito céu. Assim, perdi a conta de quantas peças já encaixei, quanto tempo passei decifrando formatos e quantas figuras montei e esqueci depois. O cavalo encapado está hoje em cima de algum armário. Empoeirando.

"Afinal, qual a graça de um quebra-cabeça já montado?", era o que eu pensava. O legal é tentar fazer igualzinho a foto na caixa do brinquedo - apesar de a Grow sempre deixar explícito o aviso não-se-iluda de que a imagem era "meramente ilustrativa". Mas eu queria fazer igual: tão colorida, tão detalhada, tão perfeita quanto. Olhava todas aquelas peças e já visualizava o quadro lindo que eu me orgulharia em montar (tolinho...). No final nunca era igual à imagem "meramente ilustrativa" da capa. Os traços das peças ficavam evidentes ou a cor não era tão viva. Grande drama com direito a esperneios de filho caçula era quando faltava uma peça, afinal, nada mais frustrante do que um quebra-cabeça de 2.999 peças, certo?

(Pior era quando eu, no meu desespero ingênuo tentava juntar peças que não se encaixavam, principalmente quando se tratava de límpidos e homogêneos céus azuis!)

Aos poucos, a gente vai aprendendo que cada quebra-cabeça é o que é e como é. Às vezes têm encaixes imperfeitos, outros não ficam do nosso jeito e em alguns, incompreensivelmente, faltam peças, mas nem por isso são menos bonitos. Descobri, que o gostoso é descobrir cada pecinha que monta o todo, onde cada detalhe é imprescindível e coerente. E forçar encaixes que não servem, não serve de nada. O prazer é ver uma figura se formando aos poucos, nos cuidados dos dedos, com paciência e detalhe pela obra lentamente descoberta, explorada. No final, pode não ser tão colorida ou perfeita quanto esperava, mas têm a história nos seus talhes e o orgulho, além de terminar e pendurar emoldurada na parede, é lembrar do trabalho que deu para conhecê-la e tentar redescobri-la todo dia. Cada detalhe.


Aos poucos fui aprendendo que o título desse texto faz sentido.


JG

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Dos versos que não rimaram

Os versos que decorei quando tinha oito ou nove anos para levar para a escola e declamar na frente da turma não faziam sentido nenhum para mim. A professora só pediu para levarmos um poema e lermos. Procurei nos livros que tinha em casa até achar um que gostasse. Achei! e gostei assim: sem muita razão e filosofia. Os versos tinham um ritmo, as rimas eram diferentes e eu tinha um tio que sempre lia (aquele tal) Fernando Pessoa. Então, ali, nos meus oito ou nove anos, entre gibis da Mônica, desenhos do Wally e a coleção do Sítio do Pica-Pau Amarelo, fiz questão de decorar Liberdade.

Aquele meu tio - com quem, depois, passaram a me comparar - era sempre alvo das minhas apurrinhações infantis durante as festas de família. Ele sentava de canto, sorrindo de canto, com o cigarro dançando nos dedos e a cerveja esquentando no copo. Não falava muito, brigava às vezes e, descaradamente, observava os familiares estranhos, familiares e estranhos no recinto. Entre uma bagunça com primos na sala e uma brincadeira no corredor, eu observava...

Observava.

Até que eu puxava uma cadeira entre os adultos, ele puxava papo entre os sobrinhos e eu pedia, com olhos de uma criança querendo doce, para declamar aquele... Aquele, tio! ... Você sabe, sim! ... Aquele "poema de 15 minutos"! Era assim pra mim, pois era o tempo cro-no-me-tra-do que eu prestava atenção nas palavras truncadas, declamadas.

Por causa dele, lembro exatamente da primeira vez que li um poema e da primeira vez que entendi uma falta de rima em Pessoa. O tio (ironicamente) Fernando nunca chegou a ouvir as palavras de Liberdade de minha boca - e eu aposto que ele se orgulharia da herança boêmia que deixou. Procurou do seu jeito as próprias liberdades no vão de uma janela do 6º andar em uma noite de domingo sem nem se dar tempo de poder dizer "Não sou nada". Na manhã seguinte: a epifania. Entendi que ele só estava dividido entre "a tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, e a sensação de que tudo é sonho como coisa real por dentro".

E no meio tempo entre o "poema de 15 minutos" e o "Tabacaria", eu muitos outros li, decorei, declamei, escrevi, rasguei, interpretei, entendi, entendi, ENTENDI! e percebi que talvez fosse melhor quando era só ritmo, rima e nada fazia sentido.

Mas não há como deixar de adorar àquele que nas entrelinhas me mergulhou entre versos.


JG


"Por que é que o cão é tão livre?
Porque ele é o mistério vivo que não se indaga"
Clarice Lispector

domingo, 30 de maio de 2010

A mesma velha ferida

Até hoje sou lembrado como o menino escandaloso da Rua Nereida, 51. É, eu não era uma criança muito sutil quando o assunto era médico, cabeleireiro, machucados e afins. Duas vezes tive que levar pontos na testa e das duas vezes foram necessárias cinco pessoas para me segurar e me costurar. Minha mãe conta até hoje como eu espumava e me debatia. Uma vez minha tia foi me ensinar a andar de bicicleta no parque e eu caí - claro. Quando comecei a chorar e gritar, veio socorro de todos os lados. "Deviam achar que eu tava matando o menino", conta minha tia. Quando finalmente deixei que chegassem perto de mim, viram o arranhão de 8cm no meu joelho.

Eu não sabia direito o que significava, mas minha mãe dizia: "João Gabriel, você é muito impressionado". Eu me assustava fácil, me desesperava, sempre achava que toda dor seria pra sempre e nunca iria parar de doer. Se tinha um machucado, ia direto pro chuveiro sob o som das ameaças: "se continuar chorando, vou lavar com bucha!" - numa clara lição de que, se lavou, tá novo - engolia o choro mas continuava soluçando. Depois da bronca, mãe ficava quietinha comigo no banheiro, passando mercúrio, assoprando e dizendo "vai passar, vai passar".

É, com o tempo passava mesmo e logo menos me machucava de novo. Uma vez rolei uma escada de madeira e ralei o rosto. Naquela época eu estava me recuperando de uma catapora. Acordei metade da rua com meu choro, mas, como de costume, passou. A dor foi cruciante no momento, mas, com o tempo, passou.

Por mais que doa, o tempo é sempre o melhor remédio: a dor passa, o desespero some. Aquilo tudo já faz tanto tempo, mesmo... Mas até hoje, quando lavo meu rosto toda manhã e puxo o cabelo para trás, vejo a marca dos 12 pontos na testa me lembrando que não adiantou de nada ter esperneado. Que bom que tinham outras cinco pessoas ali me ajudando a aceitar a dor e o remédio. Que bom que aprendi a suportar as quedas da bicicleta depois do arranhão de 8cm. Que bom que o tempo passa e as cicatrizes ficam, sem que as dores tenham sido em vão.


JG


"Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida.
E é pra não ter recaída
Que não me deixo esquecer"
-Jean Garfunkel-

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Do que aprendi

Introdução:
No cursinho, quando estudávamos escolas literárias, tive a ousadia de cutucar meu professor e perguntar: "Poderíamos dizer que hoje se desenvolve uma escola chamada Auto-Ajuda?". Dei um sorriso de canto meio sonso e ele riu do desafio, sem querer aceitar a realidade. É, auto-ajuda é realmente muito chato, pedante e máquina de tirar dinheiro de tolos inseguros. Mas, me desculpem, vou escrever hoje com um toque de Augusto Cury.

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Uma das melhores coisas na vida é evoluir. Desde aprender como usar o polegar para segurar a colher de mingau, até ser capaz de resolver exercícios de física no vestibular - mesmo que alguns aprendizados sejam esquecidos depois. O melhor mesmo é sentir que aprendemos alguma coisa, desenvolvemos uma nova habilidade e estamos mais fortes no quesito sobrevivência social. Muita coisa aprendi com livros, pesquisas e a wikipedia, mas meus conhecimentos mais valiosos vieram da minha mãe.

Fico orgulhoso quando vejo alguém em situação desconfortável e posso dizer "minha mãe sempre me ensinou que...". E é verdade, aprendi muito e hoje começo a ser autodidata. Tudo bem, ela me ensinou alguns passos de balé, truques para lavar meias sujas e receitas de bolo de liquidificador. Mas o mais importante foi como ela me ensinou a lidar com pessoas.

Três ensinamentos maternos básicos que levo pra vida:

1- Ninguém é insubstituível: por mais que alguém seja especial na sua vida você tem que aceitar que pessoas vão embora e você deve seguir sem elas.
2- Nunca espere nada de ninguém: faça tudo que fizer sem esperar algo em troca. Não espere que alguém te mande mensagem de resposta ou algum outro presente de volta no seu aniversário.
3- Se você não pode mudar as pessoas, sorria para seus defeitos: você gosta de alguém chato? Azar o seu. Você que escolheu e não tem muito o que fazer além de rir das idiossincrasias alheias.

Aos poucos eu fui botando tudo isso em prática e devo dizer que minha vida ficou bem simples. Aceitei melhor alguns fins (1), me decepcionei menos (2) e fiz as pazes com as irritações do meu pai (3). Mesmo que nos momentos de crise eu não lembre de tudo instantaneamente, serve para recuperar-se mais rápido na volta para a estabilidade.

Junto com tudo isso adicionei uma pitada de poesia e sorriso em tudo que faço, pra ficar,além de mais fácil, mais divertido.


JG




"Eu vejo que aprendi
O quanto te ensinei
E é nos teus braços que ele vai saber"

-Renato Russo-

sábado, 8 de maio de 2010

Ressaca só

Quando eu ia para a praia com meus pais nos finais de semana, minha mãe me vestia com uma sunga bem colorida, de cores fortes, chamativa – a típica “mamãe, não me perca”. E ela estava certa por se preocupar. Assim que eu chegava à praia, já percebendo as barracas coloridas, as pipas no céu e o barulho do mar - analisando o território. Enquanto meu pai arrumava o acampamento e minha mãe me besuntava de Copertone e desenrolava o discurso da correnteza forte - ok, mamãe, ok mamãe -, eu jogava os chinelos ao pé do guarda-sol, me livrava da camiseta e do short e ia... Não, não, antes eu devia ficar os benditos 20 minutos na sombra esperando o protetor secar (pelo menos o cheirinho era bom). Aí, sim, eu saía pela praia, de pescoço esticado, fazendo como quem-não-quer-nada, procurando outras crianças para socializar. E assim que achava um alvo interessante, já me intrometia nas sombras dos outros, perguntava se tinha brinquedos e convidava pra ir na beira do mar caçar tatuís.

Essa minha necessidade fetal de estar sempre acompanhado, compartilha das idéias "jobinianas" de que é mesmo impossível ser feliz sozinho. Depois de uma noite divertida com amigos à minha volta rindo, dançando, brindando, acordei hoje de ressaca. Mas, não é ressaca que dá dor de cabeça, sede e mau-humor. Nem é ressaca de falta de memória, arrependimento e vergonha pelos momentos inconsequentes da noite anterior. É uma ressaca causada pelo vento frio lá fora e um apartamento vazio aqui dentro. Antes éramos e agora sou.

Acostumo-me, por falta de escolha. No início era pai, mãe, avós, amigos, cachorro e papagaio. E aos poucos você vai tomando as rédeas, que você até pode pedir ajuda para segurá-las, mas cada vez mais é você e menos os outros. Até você chegar no paradigma de ir "morar sozinho" e todos os seus dilemas anexos.

Vou ver um filme, escutar uma música, escrever um texto e pensar nos meus amigos que estão lá fora me ajudando com as rédeas, mas não vou buscá-los agora. Estou precisando fazer um intensivo, porque a vida é a arte de aprender a ser sozinho.


JG


"Pobre vida que toda depende
De um sorriso, de um gesto, um olhar..."
-Mário Quintana-

domingo, 2 de maio de 2010

Fases dos flashes

Esses dias resgatei uma câmera fotográfica analógica que meu tio guardava há uns 20 anos sem saber por quê. Devia estar guardando pra mim. Ela ficou no fundo do armário, no meio dos documentos antigos empoeirados durante todo esse tempo, em uma caixa quase rasgada, esquecida no ir e vir das mudanças. Mas na última mudança quem a encaixotou fui eu e fiz questão de salvá-la do pobre destino com cheiro de naftalina. Então comprei filme e bateria e saí testando - a cada flash, um flashback.

Memórias de quando tinha que abrir a máquina no escuro para pôr o filme e esperar alguns dias para revelar, ou quando veio a grande evolução da revelação em uma hora! E como a gente colocava as fotos nos álbuns da kodak e guardava os negativos "pra depois ampliar!", mas nunca o fazíamos. Os álbuns empilhavam-se nos armários e eram espalhados na sala de (quando) visitas. Ah, essa nostalgia inerente à imagem congelada.

Ás vezes a gente precisa de um momento calmo pra estudar nossa própria história e lembrar como éramos e no que estamos nos tornando. Quando estou na casa dos meus pais, sempre pego esses álbuns antigos e fico me vendo desde a barriga da minha mãe (aquela foto dela, grávida e de biquini haha), passando pelas fotos de criança (vestido de caipira na festa junina do primário), com a família inteira no natal e a moda dos anos 90. Mas aí tudo pára na adolescência! Desgraça de máquinas digitais... (e não me venham com argumentos de possibilidades tecnológicas).

Resolvi meu problema tentando utilizar bem os álbuns do orkut e os posts do fotolog (que, se depender de mim, nunca serão deletados). E hoje me pego passeando por esses pixels, vendo como a evolução foi boa. Cada álbum é uma fase única, com personagens interessantes e tramas que constrõem a personalidade do protagonista. Os capítulos estão cada vez mais distantes e eu nunca vou deixar de registrar imagens que um dia me relembrem daquele dia que passou - e qual passagem foi escrita naquele dia.

A cada foto que vejo, eu penso "era uma vez, um menino...".



JG


"Vejo o futuro repetir o passado.
Vejo um museu de grandes novidades.
O tempo não pára!"
Cazuza

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Erramos os erros certos

Nada adiantava. Os cinco segundos que antecipavam a entrada no palco eram icontrolavelmente perturbadores. Era um vontade agonizante de ir ao banheiro, uma preocupação súbita com o resto do elenco, uma lembrança atrasada de uma correção que deixou de ser feita... e isso. Todo o resto era compreensível, aceitável, ultrapassável. Mas isso não tinha solução ou explicação, tampouco previsão de suas conseqüencias. Isso era um grande ponto de interrogação latejante num vazio labiríntico. Isso era como a agonia contínua de uma calmaria em alto-mar. Não é à toa que isso é branco.

Aquela dimensão alva pra onde o corpo é levado num momento de milésimos e nem mesmo as perguntas a serem feitas são lembradas. É um amplo espaço leitoso: sem chão para seguir qualquer caminho que seja ou sem ponto no horizonte para guiar.

BRANCO.

E esse curtíssimo momento de loucura sem rumo é que dá o tempero certo para sair da coxia, encarar as luzes e dar as caras às palmas. O branco que tanto temo, temia, temerei, é apenas uma mostra concentrada daquilo que é o motor da rotina. É o "não saber o que esperar a seguir" condensado em um frio na barriga.
Uma vez uma grande amiga minha me disse e eu não parei de repetir desde então: a vida é uma ilha de decisões cercada de conseqüências. Se conseqüência é futuro, futuro é incerteza - um constante perguntar-se como será. Por mais que passe meses ensaiando os passos a serem dados, o frio na barriga sempre vai existir com uma pitada de "e agora?".

Hoje completam-se três redondas semanas que não escrevia aqui, equivalentes a três semanas que não compareço às minhas aulas de ballet. Coincidentemente, hoje faz três semanas que comecei a trabalhar diariamente na frente de um computador cercado por quatro paredes.

O período de branco na inspiração coincidiu com o branco mais intenso da dúvida. Porque não era só antes de entrar no palco que o ataque Omo Ação surgia intrépido, ele surgia também em pequenas picadas durante a coreografia, mas que, no fluxo dos passos, passavam quase despercebidos. E hoje, todo fim de tarde, quando saio do escritório ele vem e dá uma cutucada, pra fazer questionar-me se os passos estão realmente certos.

E aqui está a máxima contradição: o colorido furta-cor de todas as cores do palco se condensou no branco do golarinho da minha camisa social.



JG


"Nada sou, nada posso, nada sigo.
Trago por ilusão meu ser comigo.
Não compreendo compreender, nem sei.
Se hei de ser, sendo nada, o que serei."
-Pessoa-

domingo, 28 de março de 2010

Script

Na minha adolescência, eu não perdia um episódio de Dawson's Creek - um seriado sobre outros adolescentes cheios de dúvidas, problemas e relações pessoais caóticas. Minha mãe assistia comigo às vezes, depois do almoço, e dizia: "Que povo chato. Quando eu tinha essa idade, não ficava falando tanto e ia me divertir!". E eu tinha que concordar com ela. Eles passavam longos diálogos discutindo sobre as dificuldades de ter 17 anos, "como se fossem resolver os problemas da humanidade". Um amava sem ser correspondido, a outra era órfã, um era gay, uma tinha tendência suicída... Mas, para mim era tudo muito plausível e digno de longas discussões. Claro.

O que mais me surpreendia no seriado eram esses diálogos. Era incrível a capacidade que os personagens tinham de dizer tudo o que sentiam claramente, sem engasgar, com as palavras exatas, no tempo certo (só não eram sucintos). "Parecia" que tudo era ensaiado e espontâneo ao mesmo tempo - e aquilo me provocava inveja. Quando aparecia uma situação difícil a ser resolvida, eu passava dias passando mentalmente discursos, frases de efeito, chegava a treinar os gestos e olhares que adicionaria nos momentos certos - porque um olhar durante uma vírgula podia mudar toda a interpretação! Mas quando chegava a hora ficava tudo enrolado, não saía, esquecia pontos essenciais... Era tão frustrante! Por isso, passei a escrever. Nos escritos de diário, blog, fotolog ou nos rodapés das apostilas do ensino médio, eu tinha tempo para pensar, corrigir, revisar. Era uma possibilidade perfeita para poder salvar as palavras que morriam na garganta.

Hoje tem três palavrinhas presas aqui comigo, entre as amídalas e a ponta da língua, gritando lá de dentro, querendo sair. São uma frase curta, com destinatário certo e que, se forem lançadas, têm efeitos grandiosos. Não formam um discurso presidencial ou um soneto em versos alexandrinos - são só três palavras, quatro sílabas, sete letras, mas que resumem todas as obras. São três que precisam de um tempo pra amadurecer e têm hora certa pra sair. Mesmo os personagens de Dawson's Creek não as soltavam no meio de seus diálogos com levianidade - e quando o faziam, os diálogos se resumiam a longos silêncios (que tembém não eram sucintos). Mesmo nesse espaço onde derramo palavras sem pensar, prefiro não escrevê-las - "deixo assim estar sub-entendido..."

A melhor idéia então é deixá-las aqui dentro e fazer como aprendi na adolescência. Salvo-nas da garganta, onde agonizavam sem saber se saíam ou não e as trago pra calmaria dos olhos. Em vez de falar, deixo-nas escritas em letras cuidadosamente desenhadas no meu olhar. E quando você me olha tranquilo e fixamente, sei que já entendeu tudo que eu tenho pra dizer.



JG

quarta-feira, 24 de março de 2010

Desbravador

Minha mãe sempre me incentivou a ler, estudar, conhecer, explorar - ou qualquer outro verbo que me levasse ao conhecimento. Começou com quadrinhos da Turma da Mônica que se espalhavam por todos os cômodos da casa (principalmente o banheiro: santa proltrona digna de gibis!). Mesmo antes de saber ler, me divertia com as figuras. Com seis anos de idade eu lembro que estava indo comprar pão com minha vó, segurava a mão dela e ali, parado na calçada antes de atravessar a rua, li minha primeira palavra fora da escola: "L-i-n-d-a". Era só o nome da padaria, mas nunca mais esqueci da escrita cursiva no neon vermelho que desenhava na marquise: "Linda".

Depois minha mãe passou a me mostrar a obra completa do Sítio do Pica-Pau Amarelo e não parei mais de aprender. Gostava de estudar coisas novas, misérios, enciclopédias. Lembro até hoje da coleção de capa vermelha que tinha figuras aterrorizantes. Nunca pesquisava no volume de letra T, porque sempre abria na página que tinha a foto de um peixe enorme, com a bocarra escancarada como se fosse pular do livro! Ah, sempre fui muito chato por perguntar muito. No quintal da minha casa havia uma vastidão de coisas desconhecidas - "porquês" plantados em cada canto. "Por que tem uma pedra preta dentro da flor amarela?". "Por que tem tanto cipó em volta da árvore?". "Por que o tatuzinho se enrola quando eu pego ele?". Adorava a escola e nada me limitava.

Na mesma época, aprendi a dançar. Minha mãe me perguntou, enquanto entrava comigo de mãos dadas na escola: "O que você acha de fazer sapateado?". Com certeza não me lembro das palavras exatas, mas é impossível esquecer da minha resposta afirmativa. Das minhas memórias arranhadas, entendo que não foi um momento de grande entusiasmo, mas disse "sim" simplesmente para aprender mais alguma coisa nova.

E fui aprendendo, conhecendo, respondendo minhas dúvidas enquanto crescia e mais perguntas apareciam - cada vez mais desafiadoras. Até que passei a conhecer pessoas e conhecer as pessoas. Os gestos, os olhares, os significados das falas; porque as palavras faladas já conhecia, só não sabia de suas múltiplas distorções. E junto das pessoas, fui aprendendo a sentir e os sentimentos; porque as palavras que os designavam já conhecia, só não sabia o que era até eu sentir e perceber.

Desde então, o ser humano passou a ser a disciplina que mais gosto de ler, estudar, conhecer, explorar... Desde então os sentimentos são dúvidas, incertezas, inspirações - porquês plantados em todo canto, em toda fala, em todo olhar, em todo gesto. Dessa vez não tem enciclopédia pra pesquisar ou adulto pra questionar. Não tem respota, não faz sentido.

E é melhor deixar assim, pra que eu nunca deixe de me vislumbrar quando eu ler "carinho" estampado na fachada de alguém.




JG

sexta-feira, 19 de março de 2010

O inevitável

Eu tinha inocentes 11 anos, estava há pouco tempo na cidade nova e me habituava às mudanças. Ainda não via grandes vantagens em mudar pro interior, longe da minha escola de sempre, meus amigos de sempre. Tinha a idéia de que seria apenas umas férias mais longas: um tempo a mais com meus parentes que só via em julho ou janeiro. E com o tempo descobri que isso era um grande ponto positivo. Primeiro, por causa dos primos da minha idade, depois por causa das tias que cozinhavam tão bem, e, por último - e principalmente - por causa dela, a grande anciã que era um grande mistério pra mim: a Bivó.

Naquela época ela já completava mais de 100 anos. E vou repetir (como nos filmes, a gente tem que voltar a fala para ter certeza que ouviu direit): Naquela época ela já completava CEM anos. Para mim isso já era um grande fenômeno, impossível de acontecer duas vezes. Adorava quando conversava com algum amigo novo na cidade e o assunto chegava na Bivó, só para ter o prazer orgulhoso de dizer "CEM anos".

Ela passava os dias na cadeira de rodas, com as costas arqueadas, sempre de camisola e óculos fixos. Assistia TV, dormia, comia biscoitos com leite e conversava muito com quem estivesse do lado. E ali, paradinha no seu canto, ela era um grande centro de diversão para todos os bisnetos. Na sua pele fina, cheia de ruguinhas, brincávamos de desenhar montanhas. Mas o melhor era quando puxávamos qualquer assunto para ela acabar declamando poeminhas bobos. Ela falava com a voz tremida - mas sempre muito viva! - assim: "Lá em cima daquele morro, tem um buraco de tatu, passa boi passa boiada no buraco do seu..." Hahahaha Todo mundo ria! E os bisnetos pediam de novo, de novo, de novo! Até que ela mandasse todos pra bem longe! Corríamos como se ela fosse correr atrás da gente. Se imaginássemos bem, talvez fosse possível que o fizesse.

Cem anos tão vivos. Mesmo que ali, paradinha na frente da TV, comendo papinha, às vezes reclamando. Pra mim ela seria eterna. (impossível não existir). Do mesmo jeito que eu achava que seria criança pra sempre. (impossível saber que existo).

Um dia eu estava sentado no tapete da sala e era bem cedo - acordava esse horário pra assistir os melhores desenhos. Não lembro do resto do dia, talvez eu não tivesse escola naquele dia. Mas minha tia veio devagar na minha direção, agachou do meu lado, colocou as mãos nas minhas costas e eu lembro de me sentir bem adulto naquele momento. Todos aqueles trejeitos que antecederam a fala da minha tia: a cabeça baixa, a falta de sorriso no "bom dia"; tudo me marcou pra sempre como um sinal de notícias infelizes. Ela disse devagar e de uma vez só: "A Bivó morreu, João". Não, ela não usou "faleceu" com uma criança, eu mal entendia o que seria morrer, mas pelo jeito eu nao a veria mais. Calei e desliguei os melhores desenhos.

No seu velório, porém, eu sorria, porque todos diziam baixinho nas conversas de carpideira: "cento e dois anos", "cento e dois anos", "cento e dois anos"...

Com o tempo, os gestos da minha tia naquela manhã foram se reproduzindo em outras pessoas, outras falas. Que passaram a ficar mais sérias e, na maioria das vezes, mais delongadas, menos diretas como naquela manhã. (Que besteira...) Hoje eu encaro até as ligações em horários incomuns como uma mão nas costas e uma cabeça baixa. Quando ligam muito tarde, ou muito cedo, já atendo o telefone sem um sorriso no "alô". As despedidas tornaram-se tão comuns. E mesmo assim não consigo me acostumar.

Mas a cada telefonema vou descobrindo que não sou mais criança e que as pessoas não são eternas. Aos poucos vou aceitando que o impossível é na verdade o inevitável.



JG

Faça o que falo, mas...

Sofrer por antecipação é o mais bobo dos sofrimentos. E o mais inútil! De que adianta ficar esperneando, como diz minha mãe, se a certeza só vem no futuro? E já que tens a certeza que irás sofrer lá nesse futuro, de que adianta tanto drama até o dia chegar? Pra ser radical eu digo: todos vamos morrer. Então, até lá, vamos sofrer? Não! Então, com todo o resto é a mesma coisa. Se a notícia chega e você não tem mais o que fazer, a nao ser esperar o pior acontecer, aproveite o máximo até o dia chegar! Se fizer assim, pode ser que nem vais sofrer por sucessão! Porque terás mais memórias boas pra compensar.

Mas acontece que é inevitável...



JG

quinta-feira, 18 de março de 2010

Semtemporâneo?

O tempo consumiu minhas horas, assim, meio que incompreensivelmente. Todo tempo livre que me restou eu usei pra dar tempo ao tempo. Mas isso não significa que me sentei em banco de ferro para esperar, porque nem ao menos sentei: continuiei correndo contra o tempo. Aguardei as respotas que viriam com o tempo mas continuava correndo atrás do tempo perdido. E nesse meio-tempo, me caiu um temporal de preocupações, incertezas e maratonas improdutivas.

Então, tentei me poupar de tantos aflitos pensamentos, sem ter que pensar no futuro, enquanto tento desenrolar o presente. Estou aproveitanto tanto quanto tem pra aproveitar até que seja preciso tomar tudo pelos braços e partir. Cada tic-tac tá sendo, mesmo, uma balinha que tento saborear por todo sempre. Vou decompondo cada momento como cata-vento em vento outonal. Devagar, cada cor, cada sabor, no tempo certo. Até os últimos segundos do segundo tempo.


JG


"Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora"

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Descongelando memórias

Quando era criança eu estravanha o frio. Acho que era uma das muitas estranhezas de uma infância carioca. Sempre tive pouca roupa pra usar nos invernos - os de verdade, que não existem no Rio de Janeiro - que passava em Campo Grande e geralmente as comprava por lá mesmo. Só as usava em casa quando chovia e dava uma refrescada. Assim que me lembro delas, como roupas de chuva, não de frio.

Frio era coisa pra fora do Rio. De Campo Grande, de Friburgo, Petrópolis. Frio era coisa de viagem. E motivo de viagem, onde o único motivo de viajar era passar frio! Ir para Petrópolis e fazer pizza em forno à lenha. Ir para Campo Grande e fazer churrasco à noite. E tinha que fazer bastante frio, para poder usar luvas - inclusive aquelas de ski, amarelas, bem velhas que meu pai tinha, não sei por que razão - e mais frio para tentar soltar arzinhos pela boca em forma de anel, que nem minha mãe fazia.

Coisa legal do frio era poder tirar os cobertores do ármario porque os cobertores eram incomparavelmente mais divertidos que os simples lençóis. Primeiro, porque eram mais escuros, então eram cabanas melhor protegidas dos monstros lá de fora, aqueles que apareciam alguns minutos antes de pegar no sono na noite escura. Eu ia dormir, minha mãe desligava a luz, fechava a porta e eu me cobria até o ultimo fio de cabelo em pé. E agradecia por estar de cobertor, não apenas com um simples lençol. E cobertores não só cobriam, pesavam como se dessem abraços. Além disso, era sobre esses cobertores que meus pais geralmente jogavam baralho, buraco, cartas... não sei, era tudo a mesma coisa de adultos. Quando me cobria com aquelas cobertas de cartas sempre me pensava como pequeno adulto, ou então me enchia de orgulho infantil porque eu precisava do cobertor e eles não iam jogar baralho para eu passar frio à noite!

Geralmente eram poucos dias de frio, fossem no Rio, fossem em viagens. E eu os aproveita ao máximo com manhãs preenchidas com gritos da minha vó de "vai calçar um chinelo pra não sujar essas meias, João Gabriel!".

Hoje eu ainda estranho o frio. Mas não mais como dias atípicos com diversões diferentes. Com todo esse ar intimista, invasor, inquisidor, o frio de dias nublados se tornou o vilão metereológico que nos faz parar em casa, lembrar memórias esquecidas e - aquilo que mais temo - pensar na vida. Eram bons os tempos em que me sentia protegido com apenas um abraço de cobertor nas noites de frio.



JG

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Crepúsculo

Que cores são essas que iluminam o céu?
Não ousaria chamar de rosa, azul ou amarelo.
São cores que não estampam os vestidos das moças.
Não estão na maquiagem do palhaço.
Nem colorem o caderno da criança.

Não pintam, iluminam.

Tudo que vejo ao redor mudou de tom.
Se a árvore era verde, agora é verde-pôr-do-sol.
Se a rosa era vermelha, agora é vermelha-pôr-do-sol.

Por alguns minutos efêmeros, o mundo se torna um palco sob foco tão inspirador.
Onde quero dançar palavras
Onde quero cantar suspiros

E você aí dentro, azul, na frente da TV.
Não vê que o Sol se vai e
você não vai assistir ao meu solo.

Vem dançar comigo, deixa eu dançar pra você.
Vem dançar comigo, que a gente faz uns passos coloridos.



JG

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Ali é onde há pra ir (e devemos todos)

E ali, entre tanto asfalto, muro, poste. Sob tantos edifícios altos, espelhados, imponentes. Havia uma praça verde, de tantos tons de verde, com bancos confortavelmente convidativos com espaço suficiente para deixar uma pessoa só solitária e insuficente para três pessoas se apertarem. Eram bancos para dois, perfeito para dois. Pequenos ímãs para uma conversinha, uma fofoca, um reencontro. Pequenos refúgios para um carinho, para dois olhares, para quatro mãos dadas. E não poderia haver outro lugar para ir. Andaram até ali, pois ali era onde havia onde ir. Com passos rápidos até pisarem no verde, em cada tom de verde, se deixam levar devagar até se sentarem em um dos bancos feitos perfeitamente para dois. E eles eram dois. E passaram duas horas como fossem dois meses com dois olhares vidrados e quatro mãos entrelaçadas. O banco em que sentavam parecia sorrir por estar cumprindo sua utilidade. Ele era mais alto que os muros, postes e edifícios. E a noite era mais clara de mãos dadas.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Do lado de cá, do teu lado, atolado

Tinha um cara tocando flauta na entrada do metrô e no corredor à frente as pilastras carregavam poesias rápidas de poetas antigos. E a criança parou para ouvir a flauta. E a senhora parou para ler os versos. E o homem de ar cansado cruzou os braços para entender as rimas. E a mulher apressada diminui o passo para reparar na flauta. Poucos eram os alheios.

Lá fora o mundo desabava em água. Os passageiros dos ônibus desciam fora dos pontos, pois o trânsito não andava. Faróis vermelhos como sangue estancado numa cidade que pulsa em ritmo acelerado. E era um nordestino de sotaque forte que reclamava de um paulista turrão. E era um engravatado que concordava com a dona-de-casa tagarela. E era um vendedor ambulante. E era uma estudante tentando carregar os livros. Todos no mesmo fluxo.

É um atrasado para o cinema. É uma atrasada para entrevista de emprego. É um calmo sem atraso para uma exposição. É uma que foi assaltada e chora. São dois que se conheceram ali no ônibus.

A cidade nos arrasta, traga, atrasa e traz o pão e circo. Numa relação de constantes e sucessivas mordidas e assopradas. Reclame a semana inteira e converse em um bar no fim-de-semana. Tussa a semana inteira e ande de bicilceta no fim-de-semana. Acorde cansado na segunda e vá a qualquer canto na quarta. Atrase para algum compromisso, mas ouça a flauta no meio do caminho.

No caos durante o circo, o palhaço continua divertido. Eu rio e Rio só de vez em quando.



JG



"O avesso do avesso do avesso"
- Caetano -

sábado, 30 de janeiro de 2010

Ninguém disse que seria fácil

Ela podia fazer várias interpretações daquele riso, mas preferiu, simplesmente, sorrir em troca.

Naquela tarde, ela recebeu a notícia que era motivo de sua ansiedade há alguns dias, mas não da maneira que esperava. Em uma conversa com os amigos, descobriu que o papel que tanto desejava fora dado para uma amiga de um amigo seu. Desse modo: informal, descontraído e distante. Na última semana, ela não tirava o celular do bolso durante o dia e verificava seus e-mails em curtos intervalos. Que viesse logo a resposta e aliviasse sua ansiedade! E de repente, o esperado sai inesperado, solto no ar no meio de uma conversa sobre "o que você tem feito?" como um aviãozinho de papel onde o locutor-piloto não sabia que a ouvinte-pista não esperava um pouso desses: de emergência e pré-catastrófico. Porém, não se abalou. (Não acreditou de momento e repassou mentalmente os passos da audição) Com todos seus amigos ali, à sua volta, era como uma dor no pé durante a aula de balé: facilmente esqueceu. Depois, quando ficou sozinha e a música parou de tocar, ela se tocou. No caminho de volta pra casa, só duas estrelas, das zilhões que existem, conseguiam brilhar no céu escuro da cidade. Só duas, conseguiam. E ela não era uma delas.

No ponto de ônibus, parou para esperar. Parou. E pensou. E se culpou. E se diminuiu. E desistiu. E pensou, pensou... Enquanto esperava, uma criança no colo da mãe falava bobagens que invadiam seu pensamento. Ela reparou na criança com os dois braços atrofiados, num deles uma espécie de prótese, e a criança sorriu sinceramente. E quando a criança viu que a menina a reparava, sorriu mais, com uma graça infantil que se transformou em curtos soluços de gargalhada. A criança sorria respondendo ao olhar e gesticulava os bracinhos com entusiasmo. E entre seus risos a criança soltou um gracejo inocente e tímido dizendo: "boba...". Ela não deixou de olhar a criança enquanto subia no ônibus que acabara de chegar.

Ela podia fazer várias interpretações daquele riso, mas preferiu, simplesmente, rir em troca.



JG





"Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem"
-Chico Buarque-

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Hoje acertei o sal no almoço.

Mas falta sal em mim - ando tão sem gosto. A rotina foi me cozinhando em desgostos que acabaram me azedando. Aí não acertei a mão no preparo da saudade, exagerei a quantidade na pitada de lágrimas e errei a medida de preocupações da idade. Agora toda essa mistura tá com gosto acentuado de amargura. O que fazer? Saiu do ponto! A receita preparada a contra-gosto tá intragável de contorcer o rosto. Mas engulo! Goela a baixo! E parto pro preparo do próximo prato: a sobremesa! Pra deixar esse texto mais doce e a vida um pouquinho mais fácil.



JG




"Se o bolo fica sem ovo
Se a massa não tem fermento
Se não cozinha por dentro
Vai tudo por água abaixo!"
-Elis Regina canta-

domingo, 24 de janeiro de 2010

Só mais um

Eu hoje queria vomitar aqui mais um poema
Mas não vai dar, embora valha a pena
Queria falar da minha inquietação, do meu cansaço
Mas não adianta! Não acho tema!
E sem a tal da inspiração nao sei o que faço...

Mas espere! Por mais inacreditável que seja!
Olhando assim, vejo produto da minha peleja
Versos truncados sem querer e sem propósito!
Fiz poema de repente, e você veja,
É só mais um pro meu literato depósito.



JG

sábado, 23 de janeiro de 2010

Onde

Nada como ter um lugar para poder chamar de seu. Com sua calma e seus afazeres. Com seu cheiro e o cheiro de quem convidar. Um lugar para fugir. Para pintar minhas paredes com os desenhos que sonho. Para pisar no assoalho sempre com ritmo e ter uma trilha sonora sempre harmonizando. E as pegadas de pés descalços, que marcam um dia-a-dia próprio, ficam impregnadas como parte da decoração. Com janelas que sejam extensões das minhas crenças ou que sirvam melhor que uma televisão. Pode ser uma casa muito engraçada, desde que com teto, chão, parede e rede. Um lugar para guardar as histórias que vivo na rua. Não um quartinho escuro. Quero histórias-móveis para espalhá-las por todos os cômodos e me debruçar, deitar, escrever sobre elas. Quero meu lar. Que não seja sempre doce-lar pra não enjoar. Quero meu quarto. E um quarto de queijo bola na geladeira. Quero meu canto. Com direito a notas desafinadas no chuveiro.

E quero você nessa bagunça toda...


JG



"Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais"
-Zé Rodrix-

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

(Im)Previsto

Freando seu Uno cinza em frente ao semáforo vermelho, ela aproveita o trânsito parado para se olhar no retrovisor e corrigir alguma falha. Bagunça um pouco os cachos revoltos para não parecer que se arrumou muito e molha na ponta da língua um guardanapo para tirar algum excesso de maquiagem. Dessa vez ele já vai estar lá, esperando por ela. Seu sorriso infantil mostra seu nervosismo bobo - no limiar da ansiedade controlada e o prazer de deixá-lo esperando só mais um pouquinho. Av. Paulista, sua maquiagem e a previsão de chuva. Mas, dessa vez, ele já deve estar lá, esperando por ela.
-
Sentada, esperando, ela perde o olhar e perde o ônibus. Quando tenta se levantar para talvez alcançá-lo, percebe que já perdeu tanto que acostumou a esperar. Esperar até pela esperança. Seus olhos varrem o chão, a rua. Se prende em coisas e não repara as pessoas. Tudo olha, mas não olha para cima. Os olhos carregam os ombros para baixo e puxam suspiros longos. A sacola de papel na sua mão não parece pesar mais que seu semblante. A outra mão acaricia o ventre. Av. Paulista, sua sacola e a previsão de chuva. Mas ela tudo olha, menos pra cima.
-
Correndo. Correndo. Numa mão o paletó e na outra um aceno constante que busca projetar mais longe seus olhos que miram o rabo-de-cavalo loiro do outro lado da rua. Um assobio é emudecido na sinfonia do caos urbano. Ele não leva nas mãos algo que ela tenha esquecido no escritório. Eles nem trabalham juntos. Ele é que não esqueceu nada. E seu olhar esperançoso - de maratonista avistando o pódium - contempla uma possibilidade única. Av. Paulista, seu aceno e a previsão de chuva. Mas ele não esqueceu nada.
-
A chuva lava a cidade e as almas.




JG

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

30mg de au revoir

Eu não queria escrever sobre isso em primeira pessoa, mas aqui vai: não sou bom com despedidas. Nos últimos dias tenho tomado doses homeopáticas de despedidas, mas hoje tomei uma dose cavalar que me fez ter certeza disso. Não delongo na hora do "adeus", "tchau", "até logo" por mais do que dois minutos (e nem gosto de tocar no assunto). Se é para ir que vá logo sem possibilidade de arrependimento e ficar e acabar dando "adeus", "tchau", "até logo" mais algumas vezes como alguns românticos consideram adorável.

E se você estiver pensando que é desapego, pense exatamente o contrário. Não me agrada ficar cozinhando em banho-maria a sensação horrível que existe no limbo entre presença e ausência. É um pouco de conformismo, eu diria. Se não há outra possibilidade senão a partida, se já vou sofrer nos momentos seguintes, para que procrastinar o sofrimento no seu ápice? Pior do que a saudade é a perda.

Deve ser como uma injeção! Fure logo, incomode rápido e depois deixa ir se acostumando com a dor. Simples. E, como uma injeção, a despedida é necessária: a injeção, por motivos biologicamente óbvios; mas a despedida serve para acostumar a dor até extingui-la, lembrando do momento do tchau como a fulgás felicidade do último momento juntos.

No entanto, não adianta negar, quando damos "adeus", tomamos, inconscientemente, uma dose de "um dia vocês vão se ver de novo".
E esse placebo é tão bom...


JG

Anatomia de uma partida

E lá se vão dois dos melhores ombros que já conheci. Dois ombros para dançar ou se lamentar. Aqueles dois ombros têm movimentos típicos que já identifiquei nos primeiros seis meses de convivência. Inconscientemente, vira e mexe, eles se levantam e rodam para trás e corrigem a postura do seu dono. Ou então quando este queria sair do recinto, jogava os ombros para trás, olhava pra baixo e saia com passo apressado.
Esses dois ombros vão viajar e nem sei quando voltam.

Se em um surto de surrealismo anatômico, eu pudesse deixar só os dois ombros irem eu ainda não ficaria feliz. Porque, junto com as articulações, também vão-se os braços que também têm uma história à parte - são esses que são jogados para cima antes de rodar três vezes, depois jogados para frente para balançar os dois ombros, numa coreografia digna de socialites excêntricas.

E como essa minha imaginação de Jack Estripador não será concebível já sinto falta de cada pedacinho... Dos ouvidos! que me aguentavam ao telefone ou na sala de aula - em volume não controlável. Ah! vou sentir falta do rosto de constrangimento enquanto eu não media minhas palavras. E junto com os ouvidos vão também todos os sentidos em sentido à Europa. O tato, não só o de pele, mas aquele para das conselhos inteligentes em situações perigosas. O olhar, principalmente aquele específico que se perdia entre os transeuntes bem-apessoados e eu já entendia tudo. O paladar, principalmente o meu, que era agraciado com delícias maternas. O olfato, que por fim se deu bem com avisos anti-fumo.

Mas, falam as partes pelo todo? Cada pedaço desses seria suficiente? Não, se você não conhece esse amigo, não entenderá cada parte sem o todo. E minha saudade, que hoje está com as horas contadas, é por esse quebra-cabeça completo. Perfeito quando está tudo junto - de preferência emoldurando um sorriso tão confortante.



JG



ps: boa viagem, amigo. Tenha experiências maravilhosas por lá e aproveite muito! Seja feliz, porque merece. E depois me conta tudo! A saudade vai ser grande mas estou incrivelmente feliz por você. Abraços.





Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.

-Milton Nascimento-

domingo, 17 de janeiro de 2010

Do que aprendi com a platéia

Concentração. Os dois pés se movimentam no ritmo. A batida sincopada. Fazem música em percussão ligeira. Velocidade. Agilidade. Sapateado na calçada de ruídos da cidade.
Passa ônibus. Buzina carro. Grita mãe. Soa fone. Assobia menino. E os pés batem. batem. bat-bat-batem. tem-tem-bat-batem. tem-tem-bat. Forte. Mais rápido. mais rápido mais rápido maisrápidSalta....................cai e acaba.

Aplausos para os pés cansados e reverências de gratificação sincera.

Uma se dirige a ele - "Você devia olhar menos pro chão e olhar mais para as pessoas que assistem. O mais cativante é o seu sorriso." - diz sorrindo.

E é verdade. Nos próximos passos ele vai de cabeça erguida e repara em cada olhar. A resposta e a razão de cada ritmo está no olhar de quem assiste.
Uma surpresa. Uma admiração. Uma reprovação. Uma indiferença. Uma curiosidade.
Quem dança o faz para alguém ver e espera um reação mesmo que não seja positiva. O sapateador, então, aprende a sorrir para quem o repara e pesca no olhar do transeunte uma reação.

Ela passa e ele olha - sem parar de bater os pés. Ela olha pra trás e põe os dedões pra cima com um sorriso impagável! As crianças desobedecem os pais e páram para assistir admiradas...

E o sapateador pensa: "o chapéu já está cheio, mas as gorjetas mais valiosas estão aqui fora".



JG

"Smile if your heart is aching."
-Chaplin-

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Vazio

Tantos poemas no peito
que morrem na garganta
que não escorrem pelos dedos.
Meia dúzia de pensamentos vagos,
e palavras perdidas
Mas a necessidade inerente de escrever.
Declarações de um Romeu tímido,
discursos de um Hamlet mudo.

Na ponta da caneta
só desespero e tinta preta
que se derramam no papel
feito prantos dadaístas.


JG

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Um texto antigo que recuperei do fotolog. Antigo, mas ainda tão importante pra mim.


"Um dia ainda vou escrever um livro sobre um menino que cresceu acreditando só no amor e em mais nada.
Sem religiao, sem outros sentimentos. Tudo que sentia acreditava que era Amor, ou consequência dele.
Quando via pássaros, via que eles também amavam, assim como os gatos, o portão e a trepadeira, as mesas e cadeiras. Tudo era ligado e amava.
Quando chorava era pela falta de Amor, quando brigava era para ensinar a amar.
Tudo era Amor. E quando descobriu isso mais tarde acreditou que era uma pessoa boa.
Amou muito. Descobriu, ouvindo, que a coisa mais incrível da vida era amar e ser amado. Depois refletiu e pensou que a pior coisa da vida era ter o poder de amar e ninguém notar.
Chegou a colecionar amores. Como um dia fez com figurinhas e pedras de rio.
Pensou, ao decidir sua profissão, se não teria a oportunidade de fazer uma faculdade para trabalhar no Ministério do Coração.
Cantou todas as músicas que falavam de amor. Leu todos os livros. Decorou e declamou poesias pra mostrar que vive disso e somente disso. Disso: de Amar.
Numa sexta-feira nosso protagonista resolve sair de casa e se divertir. O tiro sai pela culatra. Passa a noite assistindo a amores instantâneos. E fica indignado ao ver o amor se alastrando de forma instantânea como se faz um miojo. "Aqueça um olhar até ferver, depois junte sua cantada, tempere aos gostos, espere três minutos e delicie-se". Aquela levianidade o deixou mal. Se sentiu incompreendido, adoeceu. Ele que se preocupava tanto em amar via o amor escorrer por aí - pisado como água suja de chuva em poças na rua.


ainda nao sei o final.
mas acho que ele tem algo de Macabea."



JG



Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
-Drummond-

domingo, 10 de janeiro de 2010

Da reflexão necessária

Um dia tudo acaba. Fecha os olhos e, simplesmente, acaba. E eu sei que um dia esse dia (mais cedo ou mais tarde) vai chegar. E qual vai ser o meu último texto escrito aqui? Quero gostar do último verso que escrever. Serei uma alma penada com certeza, se não escrever tudo que penso e sinto antes de partir. E se for amanhã? Vou ser enterrado de unhas ainda roídas: no túmulo com meus vícios - que fechem minhas mãos para que ninguém as repare. E vou deixar alguns livros sem saber o fim e uma despedida sem graça. Às vezes acho que a gente devia receber um aviso de alerta, como aqueles em lan-houses: "Faltam 10min para expirar sua sessão". E aí a gente vê se escreve alguma coisa especial, dá um tchau personalizado e pede os moldes pra festa de bota-fora.

Mas mesmo assim, nunca vai dar tempo pra tudo e sempre vai restar algo inacabado. Então é melhor tentar viver com os pingos nos i's e os pratos limpos. De preferência sempre perfumado, com os dentes escovados e bem vestido.

Agora durmo...
Mas amanhã, acordo! E tenho dito.



JG



"Filosofar é aprender a morrer."
-Montaigne-

sábado, 9 de janeiro de 2010

Duas estrofes curtas

Memórias bo(b)as

Três dias de casa vazia
Recheada com o que há de melhor
no quesito companhia.


Flashes do céu negro

Conto-os e eles me encantam
Gritam nossos sustos
Fotografam nossos medos
No negativo, o positivo de ser natureza.



JG

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Quis escrever um drama (sem)(de) propósito

Eles têm uma vida comum. Uma vida de família. Dependendo qual padrão de família você reconhece. Pais e um filho: dois sorrisos falsos e um sempre emburrado saindo de restaurantes caros, entrando em carros bem equipados.

À noite ela espera sentada no sofá, de frente para a porta que ameaça ser aberta a cada instante. No robe confortável, à meia-luz e um copo que merecia um whisky mas só tem água. Água do gelo derretido, é claro. Ela mantém um perfil de olhar vago para dramatizar o passado e maquinar a cena por vir.

Quando a chave gira na porta ele já espera uma atitude e nem se preocupa em entrar pé-ante-pé no apartamento. Sabe que são os dois apenas. "Papai, viaja para Paris e me deixa de enfermeiro com essa louca."

"Você... criado como um cartão de crédito, a quem ele ama igual ou ainda mais. Quem você pensa que é, pequeno monte de ganância vestido em cifrões dos outros?"
Voz calma, soberba e ligeiramente insana. O script está correndo bem... "agora ele vai suspirar, dar de ombros e sair para o quarto. Minha deixa."

"Não! Chega de fingir que os problemas não estão crescendo entre nós. Eu não sei mais da sua vida sem rumo desde que você saiu daqui, ó!"

- Cala a boca e vai dormir, mamãe.


Ele está passeando, trabalhando, comendo croissant e se divertindo com amantes. Ah, porque me exigem manter uma família?



JG

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Paratodos

Sempre tenho vontade de escrever sobre pessoas que valham algumas palavras pensadas.

Como um amigo que se tornou muito próximo e indispensável nos últimos anos, mas agora vai passar um ano em Paris. Ou outra amiga que é quase uma segunda mãe, uma irmã que não tive e por isso às vezes chamo de irmãemiga. Ou aquela outra que é a única a entender meu dialeto, pois, desde sempre, comeu biscoitos (não, não bolachas) comigo.
Como um "ex-namorado" que se tornou um "pra-sempre-amigo". Como aquele cara que era um mala há um ano e hoje é um amigo que me ajuda a carregar os pesos. E aquele que é tão fechado pra falar mas sempre está de coração aberto pra ouvir ou rir dos outros. Ou aquela que sempre me põe os pés no chão, apesar de voarmos juntos por cima das redes. Como a outra amiga que me ajuda a racionalizar os sentimentos e tornou-se essencial. Como a mãe, o pai, a tia, a vó, o irmão, a sobrinha que tanto ensinam. Como uma menina da lua que escreve poemas a quatro mãos comigo. Ou como a outra que acha que escreve mal mas tanto me emocionou com frases simples.

Como o porteiro, o vizinho, o cachorro do vizinho, o mendigo.
Sem nomes, porque cada um não é um título, mas cada aquilo que sei e sinto.


Algumas vezes tenho certeza, noutras me surpreendo ao saber quem realmente pode dar idéias a boas palavras pensadas (outro dia foram apenas duas garotas na praia). O mais divertido é ir descobrindo quem realmente vale alguns minutos de queima de neurônios na frente do monitor.

Como o desconhecido na fila do ônibus.



JG

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Três vovós



Eram três vovós da minha vida. Três sem nome, sem parentesco. Até hoje me confundo com os nomes e com suas posições na arvore genealógica. Mas essa era a diversão. Eram simplesmente vovós. Que fazem bolo, apertam bochechas e contam histórias.

A primeira me dava caixas de remédios para brincar. Com meus cinco anos não me preocupava com o fato dela tomar tantos remédios. Simplesmente achava muito bom que os tomasse pois assim eu teria mais prédios e carrinhos. Eu me jogava na sua cadeira de balanço sem ouvir seus conselhos de "esse menino vai cair com a cabeça no chão". Era a Doca (acho que veio de Dondoca) que cheirava a talco e morava do lado da farmácia de homeopatia. (Bolinhas brancas, doces, maravilhosas!) Foi a Doca que deu tchau mais cedo e me deixou poucas e boas lembranças, menos a lembrança do seu adeus.

A segunda me dava recortes de jornal com trechos de poesias para que eu as lesse para ela quando não podia mais sair da cama. Aos meus sete anos, era um ótimo exercício! Ela estava sempre muito bem vestida e de azul claro. A dentadura fazia barulho quando falava e os olhos estavam sempre marejados. O seu sorriso era o melhor pagamento depois de ler tantos recortes de jornal. Tinha um que me lembro até hoje sobre uma andorinha. Acabou o verão e a vovó Joaninha se foi (a única certeza que tenho é que ela não se chamava Joana). Lembro da minha mãe passando a noite ao seu lado no velório. Foi a primeira pessoa dormindo pra sempre que eu vi.

A terceira me dava elogios por cima do muro para dizer que eu tocava teclado muito bem. Ela nunca soube que aos nove anos eu não sabia tocar, eram apenas músicas gravadas no teclado. Ela ficava feliz, era o que importava. Eu brincava com os seus apoios para colherzinhas de café. Eram divertidíssimos! Perfeitos para serem cavalos! E a tia Mariazinha (era como eu escutava minha mãe chamá-la) só tomava leite em pó! Nunca entendi aquilo, era tão ruim e difícil de fazer! A tia Mariazinha era a mais nova e a que falava que ia morrer a cada espirro. Foi a última a dar tchau em um suspiro longo e calmo de "até que enfim! eu disse!" no ano passado.

As três me deram muitas perguntas. Coisas que nunca entendi quando criança e que hoje já esqueci o que eram. Os adultos nunca comentavam dela muito tempo na minha frente. E a casa delas era cheia de coisas engraçadas e misteriosas. Como um quadro feito de madeira esculpida que estava sempre cheio de poeira. As sensações que essas três me proporcionaram serviram muito bem para pincelar minha infância com tantas dúvidas e descobertas.

Que minhas rugas também sirvam tanto para alguém, algum dia.



JG

ps: na foto(esq pra dir): Tia Mariazinha, Tia Vivi, Tia Maria, Doca e vovó Joaninha.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Uma das coisas que mais gosto de estar na praia é poder sentar para ver o MAR. E sentado num tronco velho jogado na areia, gosto de pensar sem pensar no que pensar. O ir e vir de pessoas e ondas, o ir do sol e o vir do vento já bastam para derramar palavras e pensamentos. As cores inesperadas do céu preenchem a folha em branco, facilmente. Sem pensar em nada, o pensamento não mente. A sinceridade do prazer no ócio cala a inspiração forçada, desfaz os versos medidos, fica a intensidade espontânea da fala.

E nessa liberdade dinâmica, dou asas de Ícaro ao meu pensamento. E ele voa direto pra você, perde suas asas e não volta nunca mais.


JG

Elas duas caminhavam mais devagar que as ondas do mar.
Elas quatro no espelho d'água que se forma na areia.
As roupas curtas, os risos largos e os braços dançando ao lado do corpo. Infantilmente.
Elas duas no pôr-do-sol. Douradas.

Olham o mar, as ondas, as pranchas, as sungas.
Risos que puxam os cabelos para trás das orelhas.
Pensamentos que fecham os olhos.
Olham para baixo.
Pensam no mesmo, elas duas.

Elas duas querem outros dois.
Eles quatro brincando no mar.
Elas duas na areia a sonhar.

Eles oito no espelho do mar balançando as mãos dadas.
Infantilmente.

Suas pegadas escrevem versos na areia.
Oito pegadas. Marcadas e apagadas no espelho d'água.
Como se as ondas se alimentassem de versos e bebessem histórias sobre mãos dadas.

Eles quatro e o verão a acabar.
Elas duas e história a contar.
Eles dois e ondas a surfar.

E o mar.
Arredio, dourado, alimentado.



JG


sábado, 2 de janeiro de 2010

ANO NOVO de novo. 2010 pela primeira vez. Foi com esse pensamento na cabeça que adentrei esse novo ano. Porque somos tão necessitados de novas chances pra tentar fazer tudo de um jeito menos errado. Porque é necessária uma virada de página, ou um caderno inteiro com folhas brancas para reescrever tudo e tentar desentortar as linhas.
Comecei tentando escrever um poeminha meio que bagunçado que deixei inacabado, mas depois percebi que fim não precisava:

Quando na mudança, escrevemos sobre o como e porquê
"Por quê?", motivo da mudança,
Mudança de um novo como.

Quando no fim, escrevemos sobre o começo e o meio.
Meio que é causa do fim,
Fim que é mais um novo começo.

Quando antes do novo, escrevemos sobre o depois.
Depois que dá medo antes,
Antes que comece tudo de novo.

Quando no "quando?", escrevemos sobre o enquanto
Enquanto cada quando
Deve ser vivido no seu próprio canto.



Bom 2010 a todos. Que seja um ano extraordinário pelo simples fato de ser um ano novo.


JG



"Antes eu achava impossível, mas há, sim, felicidade no vulgar."
-Ana Paula Martinho Saltão-