sábado, 21 de maio de 2011

Fantasmas

Houve uma época em que o Fantástico apresentava matérias, domingo sim-domingo também, sobre extraterrestres, abduções, chupa-cabras e afins. Eram imagens meios turvas, às vezes em tons de verde das filmagens noturnas e sempre muito misteriosas. Eu sentia uma vontade de assistir, mas sabia que ia morrer de medo mais tarde. Medo era uma coisa inexplicavelmente atraente. Não queria ver, tapava a cara, mas filtrava as  imagens entre os vãos dos dedos, como se as imagens parciais não fossem tão reais. Meu pai chegou a me dar um chaveiro em formato de Gremlin (depois da água), que seria a personificação do chupa-cabra, para ver se eu me acostumava com a fantasia toda, criada pela televisão.

Fantasmas eram o meu ponto fraco. Com essa imaginação fértil que nunca me faltou, eu via, ouvia, sentia a presença deles em todos os cantos durante a noite, sozinho no quarto. Desde então cultivei a mania de não conseguir dormir com as portas dos armários abertas. Minha mãe sempre dizia: "João, você é muito impressionado". Era mesmo. Fantasmas poderiam fazer qualquer coisa com a gente! às vezes eu até ficava pensando no que eu faria se eu fosse um. Quando ficava com muito medo e não conseguia dormir de desespero, o discurso materno era sempre o mesmo; "Os mortos já estão mortos, você tem que ter medo dos vivos!". Não sei porque, mas aquele mandamento sempre me remetia à imagem de um cemitério e me fazia ter mais medo. Para que ter medo dos vivos? - eu pensava. Talvez pela segurança que sentia entre os pais, ladrão e outras classes de inimigos públicos eram coisa de adultos e que não me atingiriam. Eu juro que me esforçava a pensar: "Não, João, os ladrões que sãos os maus de verdade". Não adiantava... Fantasmas continuavam dominando meus pesadelos.

Há três dias atrás eu vi a cena de um assassinato na minha faculdade, minha segunda casa em São Paulo.

Foi como um soco de realidade na minha cara, manchando de sangue a natureza do ser humano - minha própria espécie. Pela primeira vez não consegui dormir com medo do que o homem é capaz. E reconheci o discurso da minha mãe em toda a minha volta, percebendo que fantasmas não são tão ruins assim, afinal são os homens que fazem os fantasmas: com a imaginação ou com o ódio.


JG