quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

(Im)Previsto

Freando seu Uno cinza em frente ao semáforo vermelho, ela aproveita o trânsito parado para se olhar no retrovisor e corrigir alguma falha. Bagunça um pouco os cachos revoltos para não parecer que se arrumou muito e molha na ponta da língua um guardanapo para tirar algum excesso de maquiagem. Dessa vez ele já vai estar lá, esperando por ela. Seu sorriso infantil mostra seu nervosismo bobo - no limiar da ansiedade controlada e o prazer de deixá-lo esperando só mais um pouquinho. Av. Paulista, sua maquiagem e a previsão de chuva. Mas, dessa vez, ele já deve estar lá, esperando por ela.
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Sentada, esperando, ela perde o olhar e perde o ônibus. Quando tenta se levantar para talvez alcançá-lo, percebe que já perdeu tanto que acostumou a esperar. Esperar até pela esperança. Seus olhos varrem o chão, a rua. Se prende em coisas e não repara as pessoas. Tudo olha, mas não olha para cima. Os olhos carregam os ombros para baixo e puxam suspiros longos. A sacola de papel na sua mão não parece pesar mais que seu semblante. A outra mão acaricia o ventre. Av. Paulista, sua sacola e a previsão de chuva. Mas ela tudo olha, menos pra cima.
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Correndo. Correndo. Numa mão o paletó e na outra um aceno constante que busca projetar mais longe seus olhos que miram o rabo-de-cavalo loiro do outro lado da rua. Um assobio é emudecido na sinfonia do caos urbano. Ele não leva nas mãos algo que ela tenha esquecido no escritório. Eles nem trabalham juntos. Ele é que não esqueceu nada. E seu olhar esperançoso - de maratonista avistando o pódium - contempla uma possibilidade única. Av. Paulista, seu aceno e a previsão de chuva. Mas ele não esqueceu nada.
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A chuva lava a cidade e as almas.




JG

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