quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Descongelando memórias

Quando era criança eu estravanha o frio. Acho que era uma das muitas estranhezas de uma infância carioca. Sempre tive pouca roupa pra usar nos invernos - os de verdade, que não existem no Rio de Janeiro - que passava em Campo Grande e geralmente as comprava por lá mesmo. Só as usava em casa quando chovia e dava uma refrescada. Assim que me lembro delas, como roupas de chuva, não de frio.

Frio era coisa pra fora do Rio. De Campo Grande, de Friburgo, Petrópolis. Frio era coisa de viagem. E motivo de viagem, onde o único motivo de viajar era passar frio! Ir para Petrópolis e fazer pizza em forno à lenha. Ir para Campo Grande e fazer churrasco à noite. E tinha que fazer bastante frio, para poder usar luvas - inclusive aquelas de ski, amarelas, bem velhas que meu pai tinha, não sei por que razão - e mais frio para tentar soltar arzinhos pela boca em forma de anel, que nem minha mãe fazia.

Coisa legal do frio era poder tirar os cobertores do ármario porque os cobertores eram incomparavelmente mais divertidos que os simples lençóis. Primeiro, porque eram mais escuros, então eram cabanas melhor protegidas dos monstros lá de fora, aqueles que apareciam alguns minutos antes de pegar no sono na noite escura. Eu ia dormir, minha mãe desligava a luz, fechava a porta e eu me cobria até o ultimo fio de cabelo em pé. E agradecia por estar de cobertor, não apenas com um simples lençol. E cobertores não só cobriam, pesavam como se dessem abraços. Além disso, era sobre esses cobertores que meus pais geralmente jogavam baralho, buraco, cartas... não sei, era tudo a mesma coisa de adultos. Quando me cobria com aquelas cobertas de cartas sempre me pensava como pequeno adulto, ou então me enchia de orgulho infantil porque eu precisava do cobertor e eles não iam jogar baralho para eu passar frio à noite!

Geralmente eram poucos dias de frio, fossem no Rio, fossem em viagens. E eu os aproveita ao máximo com manhãs preenchidas com gritos da minha vó de "vai calçar um chinelo pra não sujar essas meias, João Gabriel!".

Hoje eu ainda estranho o frio. Mas não mais como dias atípicos com diversões diferentes. Com todo esse ar intimista, invasor, inquisidor, o frio de dias nublados se tornou o vilão metereológico que nos faz parar em casa, lembrar memórias esquecidas e - aquilo que mais temo - pensar na vida. Eram bons os tempos em que me sentia protegido com apenas um abraço de cobertor nas noites de frio.



JG

Um comentário:

  1. Fiquei surpresa por saber que temos sensações e memórias de infância muito parecidas...
    As cabaninhas de cobertor são demaaais!!
    Ter uma infância alegre faz toda a diferença..

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