sexta-feira, 15 de abril de 2011

Canções retornáveis

Hoje em dia elas nem são mais tão populares, mas há uns quinze anos atrás, era inconcebível a idéia de almoço no domingo sem Coca-Cola na garrafa retornável. Uns minutos antes de pôr a mesa com carne assada e macarronada, minha mãe gritava “João, vai na padaria comprar refrigerante”. Domingo sim, domingo não porque afinal de contas meu irmão também devia ter obrigações. E já no meio da rua minha mãe gritava de novo “Não esquece da garrafa lá no barracão!” (um espaço no fundo do quintal onde guardávamos tranqueiras).
Entregava a garrafa vazia no balcão da padaria e levava pra casa cheia. Por um tempo achei até que eles enchiam ali, na hora!
E era assim: levava vazia, enchia, bebia tudo, me deliciava e retornava. Até um ponto que deixei de esquecer a garrafa, sempre saindo de casa já com ela, e  parei de me perguntar onde eles enchiam a garrafa com o líquido maravilhoso.

Mas hoje ta tudo bem. Tirando o fato as compras que fiz com um dia de antecedência, quando, na verdade, elas deviam ser feitas no auge da carência e solidão. Compras para preencher com sacolas e etiquetas todos os espaços vazios da alma onde podem se alojar uma depressãozinha, sabe? Vai ver comprei tudo adiantado justamente para evitar ter que gastar o dobro com as lágrimas engolidas e o fone de ouvido no último volume tocando “Doth I protest too much” da Alanis.
Tava tudo bem. Foi uma premonição? Pode até ser. Porque hoje no metrô tocou Simple Together (também da Alanis) duas vezes seguidas mesmo com o shufle ligado.
Mas ta tudo bem. Com as micro-aulas de canto, improvisadas entre um vinho e os lençóis, aprendi com você a respirar: só para agora respirar fundo!
Tudo bem, as compras foram adiantadas mas o Gyn Tonica está sempre a postos na mesa do bar, na sala de estar.
Tudo bem, mesmo... Mesmo que eu não vá mais ter a chance de te escrever músicas ou entender as suas piadas. Porque só depois de sessenta e quatro anos eu começaria a entender o seu tipo de humor e quando for famoso não vai mais querer saber das minhas rimas cafonas.
Tá tudo bem, tudo bem tudo bem... Tudo dentro do mesmo ciclo de começos e fins, tão lógico e previsível à natureza humana quanto uma garrafa retornável.

Às vezes o coração da gente é assim: retornável. Quando esvazia a gente vai lá e pede pra encherem de novo, a gente bebe até a última gota, sacia a sede e sente aquela tristeza que dá em todo mundo no final do êxtase.
Outras vezes bebem todo nosso líquido e esquecem a garrafa lá no barracão, lá no fundo.

E eu? Eu vou dormir vazio e acordar cheio.

“Tonight i’m gonna rest my chemestry...” afinal, continuo “so young, so sweet, so surprised...”



JG

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