quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Peças e pessoas

O primeiro quebra-cabeça que montei tinha 500 peças e era a foto de um cavalo em um campo de flores amarelas. Claro que não o concluí sozinho, afinal ainda era um novato naquela arte cheia de manhas que você vai aprendendo aos poucos. Minha mãe montou comigo, sobre um pedaço de papelão que depois encapamos com "contact" e penduramos na parede. Depois daquele cavalo, nunca mais parei. Quando queriam me alegrar, os parentes me davam quebra-cabeças de presente. Acabei pegando os vícios e as manhas, que, entre tantas, as principais para manter a sobrevivência mental durante a peleja das tantas peças miúdas eram: 1) sempre separe as peças azuis que formam o céu da paisagem e 2) nunca compre um quebra cabeça com muito céu. Assim, perdi a conta de quantas peças já encaixei, quanto tempo passei decifrando formatos e quantas figuras montei e esqueci depois. O cavalo encapado está hoje em cima de algum armário. Empoeirando.

"Afinal, qual a graça de um quebra-cabeça já montado?", era o que eu pensava. O legal é tentar fazer igualzinho a foto na caixa do brinquedo - apesar de a Grow sempre deixar explícito o aviso não-se-iluda de que a imagem era "meramente ilustrativa". Mas eu queria fazer igual: tão colorida, tão detalhada, tão perfeita quanto. Olhava todas aquelas peças e já visualizava o quadro lindo que eu me orgulharia em montar (tolinho...). No final nunca era igual à imagem "meramente ilustrativa" da capa. Os traços das peças ficavam evidentes ou a cor não era tão viva. Grande drama com direito a esperneios de filho caçula era quando faltava uma peça, afinal, nada mais frustrante do que um quebra-cabeça de 2.999 peças, certo?

(Pior era quando eu, no meu desespero ingênuo tentava juntar peças que não se encaixavam, principalmente quando se tratava de límpidos e homogêneos céus azuis!)

Aos poucos, a gente vai aprendendo que cada quebra-cabeça é o que é e como é. Às vezes têm encaixes imperfeitos, outros não ficam do nosso jeito e em alguns, incompreensivelmente, faltam peças, mas nem por isso são menos bonitos. Descobri, que o gostoso é descobrir cada pecinha que monta o todo, onde cada detalhe é imprescindível e coerente. E forçar encaixes que não servem, não serve de nada. O prazer é ver uma figura se formando aos poucos, nos cuidados dos dedos, com paciência e detalhe pela obra lentamente descoberta, explorada. No final, pode não ser tão colorida ou perfeita quanto esperava, mas têm a história nos seus talhes e o orgulho, além de terminar e pendurar emoldurada na parede, é lembrar do trabalho que deu para conhecê-la e tentar redescobri-la todo dia. Cada detalhe.


Aos poucos fui aprendendo que o título desse texto faz sentido.


JG

2 comentários:

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