domingo, 30 de maio de 2010

A mesma velha ferida

Até hoje sou lembrado como o menino escandaloso da Rua Nereida, 51. É, eu não era uma criança muito sutil quando o assunto era médico, cabeleireiro, machucados e afins. Duas vezes tive que levar pontos na testa e das duas vezes foram necessárias cinco pessoas para me segurar e me costurar. Minha mãe conta até hoje como eu espumava e me debatia. Uma vez minha tia foi me ensinar a andar de bicicleta no parque e eu caí - claro. Quando comecei a chorar e gritar, veio socorro de todos os lados. "Deviam achar que eu tava matando o menino", conta minha tia. Quando finalmente deixei que chegassem perto de mim, viram o arranhão de 8cm no meu joelho.

Eu não sabia direito o que significava, mas minha mãe dizia: "João Gabriel, você é muito impressionado". Eu me assustava fácil, me desesperava, sempre achava que toda dor seria pra sempre e nunca iria parar de doer. Se tinha um machucado, ia direto pro chuveiro sob o som das ameaças: "se continuar chorando, vou lavar com bucha!" - numa clara lição de que, se lavou, tá novo - engolia o choro mas continuava soluçando. Depois da bronca, mãe ficava quietinha comigo no banheiro, passando mercúrio, assoprando e dizendo "vai passar, vai passar".

É, com o tempo passava mesmo e logo menos me machucava de novo. Uma vez rolei uma escada de madeira e ralei o rosto. Naquela época eu estava me recuperando de uma catapora. Acordei metade da rua com meu choro, mas, como de costume, passou. A dor foi cruciante no momento, mas, com o tempo, passou.

Por mais que doa, o tempo é sempre o melhor remédio: a dor passa, o desespero some. Aquilo tudo já faz tanto tempo, mesmo... Mas até hoje, quando lavo meu rosto toda manhã e puxo o cabelo para trás, vejo a marca dos 12 pontos na testa me lembrando que não adiantou de nada ter esperneado. Que bom que tinham outras cinco pessoas ali me ajudando a aceitar a dor e o remédio. Que bom que aprendi a suportar as quedas da bicicleta depois do arranhão de 8cm. Que bom que o tempo passa e as cicatrizes ficam, sem que as dores tenham sido em vão.


JG


"Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida.
E é pra não ter recaída
Que não me deixo esquecer"
-Jean Garfunkel-

2 comentários:

  1. Primo, adorei!!

    Nunca parei pra pensar como essas pequenas coisas podem nos trazer grandes lições.

    Você escreve muito bem... deveria investir nisso, além da dança é claro!

    Saudades mil.

    Grande beijo

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