quarta-feira, 24 de março de 2010

Desbravador

Minha mãe sempre me incentivou a ler, estudar, conhecer, explorar - ou qualquer outro verbo que me levasse ao conhecimento. Começou com quadrinhos da Turma da Mônica que se espalhavam por todos os cômodos da casa (principalmente o banheiro: santa proltrona digna de gibis!). Mesmo antes de saber ler, me divertia com as figuras. Com seis anos de idade eu lembro que estava indo comprar pão com minha vó, segurava a mão dela e ali, parado na calçada antes de atravessar a rua, li minha primeira palavra fora da escola: "L-i-n-d-a". Era só o nome da padaria, mas nunca mais esqueci da escrita cursiva no neon vermelho que desenhava na marquise: "Linda".

Depois minha mãe passou a me mostrar a obra completa do Sítio do Pica-Pau Amarelo e não parei mais de aprender. Gostava de estudar coisas novas, misérios, enciclopédias. Lembro até hoje da coleção de capa vermelha que tinha figuras aterrorizantes. Nunca pesquisava no volume de letra T, porque sempre abria na página que tinha a foto de um peixe enorme, com a bocarra escancarada como se fosse pular do livro! Ah, sempre fui muito chato por perguntar muito. No quintal da minha casa havia uma vastidão de coisas desconhecidas - "porquês" plantados em cada canto. "Por que tem uma pedra preta dentro da flor amarela?". "Por que tem tanto cipó em volta da árvore?". "Por que o tatuzinho se enrola quando eu pego ele?". Adorava a escola e nada me limitava.

Na mesma época, aprendi a dançar. Minha mãe me perguntou, enquanto entrava comigo de mãos dadas na escola: "O que você acha de fazer sapateado?". Com certeza não me lembro das palavras exatas, mas é impossível esquecer da minha resposta afirmativa. Das minhas memórias arranhadas, entendo que não foi um momento de grande entusiasmo, mas disse "sim" simplesmente para aprender mais alguma coisa nova.

E fui aprendendo, conhecendo, respondendo minhas dúvidas enquanto crescia e mais perguntas apareciam - cada vez mais desafiadoras. Até que passei a conhecer pessoas e conhecer as pessoas. Os gestos, os olhares, os significados das falas; porque as palavras faladas já conhecia, só não sabia de suas múltiplas distorções. E junto das pessoas, fui aprendendo a sentir e os sentimentos; porque as palavras que os designavam já conhecia, só não sabia o que era até eu sentir e perceber.

Desde então, o ser humano passou a ser a disciplina que mais gosto de ler, estudar, conhecer, explorar... Desde então os sentimentos são dúvidas, incertezas, inspirações - porquês plantados em todo canto, em toda fala, em todo olhar, em todo gesto. Dessa vez não tem enciclopédia pra pesquisar ou adulto pra questionar. Não tem respota, não faz sentido.

E é melhor deixar assim, pra que eu nunca deixe de me vislumbrar quando eu ler "carinho" estampado na fachada de alguém.




JG

Um comentário:

  1. "se um coração é grande, nenhuma ingratidão o fecha, nenhuma indiferença o cansa" (leon tolstoi)

    vamos continuar lendo, escutando, vendo, sentindo as pessoas. estudar só a mim mesmo, afinal eu não as mudo, mas posso mudar!

    sds
    =*

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