domingo, 12 de junho de 2011

Eles são cariocas (uma biografia fantasiada) - Parte 2

Moço “Menino” Silva e Silva
n. 1988. Músico, jornalista e conquistador.

Até hoje é discutido, dos becos da Lapa às amendoeiras do Leblon, qual naturalidade de Moço Silva e Silva. Ele apareceu de repente no Rio como se fosse criado ali, mas nunca foi vista nenhuma foto sua de infância entre os paralelepípedos cariocas. Havia boatos, dos mais conspiradores, que seu sotaque era apenas uma boa imitação e, pasmem, na verdade ele era um monstro paulistano. Nada confirmado. Apesar de tudo que se falava dele, bem ou mal, o seu jeito tranqüilo e despreocupado de andar e levar a vida não deixava muitas dúvidas que, se não fosse a certidão de nascimento, ao menos seu coração era carioca. 

Virou Menino assim que notaram que Moço era demasiado formal para sua personalidade cativante. Ele passeava com seu sorriso maroto pela orla de Ipanema, de bermuda e camisa xadrez, e as moças de biquíni não tinham o que fazer, senão tentar um lugar ao sol da sua simpatia, quando se sentasse em um quiosque para um chopp rápido. Logo um amigo, um das centenas que o admiravam e estaria por ali à toa, sentava para puxar um precioso papo: conversar com Menino era um prestígio impagável e disputado. Conquistava aos outros com uma facilidade que só ele não reconhecia, ajudado por uma ou duas estrofes de Neruda bem aprendidas. Ele ali, com seu pandeiro na ponta dos dedos, fazia sambar os corações que o escutavam.

As figuras noturnas da Cinelândia se aventuravam por ele, as senhoras de Copacabana se encantavam por ele, as moçoilas do Castelinho se derretiam por ele. Aquele personagem enigmático de Ipanema era querido por todos, mas passava a maior parte do seu tempo, mesmo, entre seus escritos multiplicados pelo intelecto transbordante.

Apesar do perfil austero, Menino– e o seu pandeiro – fazia presença nas reuniões noturnas da Zona Sul. Os que não questionavam sua origem questionavam por que aquele bom-partido estaria sempre sozinho. Em uma noite, na festa típica de cobertura carioca, o avistaram chegando lá embaixo, de camisa xadrez, camuflado entre as pedras branco-e-pretas da calçada e lembro de ter ouvido, pela última vez, a resposta àquela pergunta: “Oras, ele é bom demais para qualquer um”.

No entanto, ninguém o viu entrar na festa aquela noite. Passado um tempo na madrugada, alguns reconheceram de leve o som do seu pandeiro lá na orla, abafado pela maresia. Tinha uma melodia diferente, meio valseada. Encantadora, como sempre, mas, dessa vez, também encantada. Desde então, nunca mais ousaram duvidar da sua carioquice. Afinal, para a fauna de Ipanema, um paulistano nunca poderia ser tão apaixonado quanto a melodia daquele pandeiro.






JG

sábado, 11 de junho de 2011

Eles são cariocas (uma biografia fantasiada) - Parte 1

João Gabriel “Janjão” Almeida Sá
n. 1987. Sapateador, banqueiro e apaixonado.

João Gabriel é carioca, sim, mas nunca morou em Ipanema literalmente falando. Veio ao mundo no bairro de Botafogo e foi exilado no paraíso tropical aposentado do Rio de Janeiro: a Ilha do Governador. No entanto seu coração, arredio, assim que chegou em terras mundanas, correu pra boemia de Ipanema e lá vive até hoje. Só entre os bares de poetas e luzes noturnas de paixões fugazes, poderia seu coração viver satisfeito. Por ter o mesmo nome do primo, que nasceu um ano depois e tomou sua exclusividade substantiva, foi apelidado de “Janjão” – alcunha que acabou determinando sua natureza ingênua, boa e, podemos dizer, gente fina.

O Coração de Janjão passeava por Ipanema e parava em qualquer banco com boa iluminação para ler um soneto novo ou escrever uma rima boba. Via os amores passando entre jeans, saias e sungas. Sociável e eremita, o Coração de Janjão poderia estar às gargalhadas e piadas infames entre grupos animados da Praça Nossa Sra. da Paz à tarde, mas ser encontrado sozinho no topo do Arpoador com seu bloquinho pintado de rabiscos no início da noite.

Nas reuniões periódicas entre amigos, colegas, desconhecidos descolados e bicões farristas, o Coração de Janjão disfarçava a solidão com ritmo. Ritmos loucos.Entre o dois pra lá de um samba e dois pra cá de um rock, ele era a figura mais animada da noite, era o que eu mesmo, sempre pensava dele, ali, pulsando animação.

Uma noite, Janjão percebeu que seu corpo perecia com seu Coração tão longe e resolveu aparecer em uma dessas reuniões típicas das coberturas inalcançáveis da Vieira Souto. Encontrou seu Coração no canto da sala barulhenta, debaixo de um abajur de luz amarela, cansado de toda euforia. Deu a mão a ele, ia saindo pela porta estreita, esbarrando entre copos e corpos, quando um rapaz de pandeiro na mão ia entrando, impedindo seu caminho. Ele conseguiu sair da cobertura, alcançou a calçada, chegou a pisar na areia, de onde nadaria até a Ilha. Mas o pandeiro tocou, tamborilou, encantou e o Coração de Janjão não conseguiu deixar Ipanema, nem deixou Janjão ir tampouco. Ele está ali até hoje, com o menino do pandeiro, sambando num ritmo lento com seu coração satisfeito.




JG

domingo, 5 de junho de 2011

Festa

A cidade se apaga aos poucos
E um bando de loucos.

E a vida
E os loucos
E eu
E você, loucos
E a vida...

E a noite, loucos
E as luzes
E o pouco, louco
                                basta.



JG com colaboração.

sábado, 21 de maio de 2011

Fantasmas

Houve uma época em que o Fantástico apresentava matérias, domingo sim-domingo também, sobre extraterrestres, abduções, chupa-cabras e afins. Eram imagens meios turvas, às vezes em tons de verde das filmagens noturnas e sempre muito misteriosas. Eu sentia uma vontade de assistir, mas sabia que ia morrer de medo mais tarde. Medo era uma coisa inexplicavelmente atraente. Não queria ver, tapava a cara, mas filtrava as  imagens entre os vãos dos dedos, como se as imagens parciais não fossem tão reais. Meu pai chegou a me dar um chaveiro em formato de Gremlin (depois da água), que seria a personificação do chupa-cabra, para ver se eu me acostumava com a fantasia toda, criada pela televisão.

Fantasmas eram o meu ponto fraco. Com essa imaginação fértil que nunca me faltou, eu via, ouvia, sentia a presença deles em todos os cantos durante a noite, sozinho no quarto. Desde então cultivei a mania de não conseguir dormir com as portas dos armários abertas. Minha mãe sempre dizia: "João, você é muito impressionado". Era mesmo. Fantasmas poderiam fazer qualquer coisa com a gente! às vezes eu até ficava pensando no que eu faria se eu fosse um. Quando ficava com muito medo e não conseguia dormir de desespero, o discurso materno era sempre o mesmo; "Os mortos já estão mortos, você tem que ter medo dos vivos!". Não sei porque, mas aquele mandamento sempre me remetia à imagem de um cemitério e me fazia ter mais medo. Para que ter medo dos vivos? - eu pensava. Talvez pela segurança que sentia entre os pais, ladrão e outras classes de inimigos públicos eram coisa de adultos e que não me atingiriam. Eu juro que me esforçava a pensar: "Não, João, os ladrões que sãos os maus de verdade". Não adiantava... Fantasmas continuavam dominando meus pesadelos.

Há três dias atrás eu vi a cena de um assassinato na minha faculdade, minha segunda casa em São Paulo.

Foi como um soco de realidade na minha cara, manchando de sangue a natureza do ser humano - minha própria espécie. Pela primeira vez não consegui dormir com medo do que o homem é capaz. E reconheci o discurso da minha mãe em toda a minha volta, percebendo que fantasmas não são tão ruins assim, afinal são os homens que fazem os fantasmas: com a imaginação ou com o ódio.


JG

domingo, 17 de abril de 2011

Cocada

Era meu gato quando morava no Rio. Ele tinha esse nome porque no tempo em que o adotamos, meu pai vendia água de coco na praia. Cocada era esperto, tranquilo e carinhoso. Meus pais nunca permitiram animal dentro de casa, então ele levava uma vida de gato de muro: caçando passarinhos, tomando sol no telhado e destruindo uma flor aqui e ali. Nos domingos eu acordava antes da casa toda e deixava ele entrar pra ficar comigo na sala enquanto eu assistia TV. Esperto, ele aproveitava a chance para burlar as leis domésticas. Tranquilo, ele se deitava do meu lado e quase dormia. Carinhoso, ele ronronava baixinho para conseguir tirar minha atenção dos desenhos animados.

Mas, Cocada era um gato. Não ficava mais de vinte minutos ali comigo. Queria logo seu quintal, seu muro, seus passarinhos... E nem por isso achava que gostava menos de mim ou eu dele, afinal, liberdade felina não é coisa para se brincar ou negar. Eu só entendia que ele queria ir, mudar, brincar. Sei que ele voltaria, mas não esperava que o fizesse, tomando sua natureza imprevisível. 

Percebi que tenho agido muito como cão e seria bom aceitar que ser gato de vez em quando é necessário. Assim como aceitar que existem muitos gatos por aí e que alguns podem voltar no domingo seguinte, outros não voltam mais.



JG

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Canções retornáveis

Hoje em dia elas nem são mais tão populares, mas há uns quinze anos atrás, era inconcebível a idéia de almoço no domingo sem Coca-Cola na garrafa retornável. Uns minutos antes de pôr a mesa com carne assada e macarronada, minha mãe gritava “João, vai na padaria comprar refrigerante”. Domingo sim, domingo não porque afinal de contas meu irmão também devia ter obrigações. E já no meio da rua minha mãe gritava de novo “Não esquece da garrafa lá no barracão!” (um espaço no fundo do quintal onde guardávamos tranqueiras).
Entregava a garrafa vazia no balcão da padaria e levava pra casa cheia. Por um tempo achei até que eles enchiam ali, na hora!
E era assim: levava vazia, enchia, bebia tudo, me deliciava e retornava. Até um ponto que deixei de esquecer a garrafa, sempre saindo de casa já com ela, e  parei de me perguntar onde eles enchiam a garrafa com o líquido maravilhoso.

Mas hoje ta tudo bem. Tirando o fato as compras que fiz com um dia de antecedência, quando, na verdade, elas deviam ser feitas no auge da carência e solidão. Compras para preencher com sacolas e etiquetas todos os espaços vazios da alma onde podem se alojar uma depressãozinha, sabe? Vai ver comprei tudo adiantado justamente para evitar ter que gastar o dobro com as lágrimas engolidas e o fone de ouvido no último volume tocando “Doth I protest too much” da Alanis.
Tava tudo bem. Foi uma premonição? Pode até ser. Porque hoje no metrô tocou Simple Together (também da Alanis) duas vezes seguidas mesmo com o shufle ligado.
Mas ta tudo bem. Com as micro-aulas de canto, improvisadas entre um vinho e os lençóis, aprendi com você a respirar: só para agora respirar fundo!
Tudo bem, as compras foram adiantadas mas o Gyn Tonica está sempre a postos na mesa do bar, na sala de estar.
Tudo bem, mesmo... Mesmo que eu não vá mais ter a chance de te escrever músicas ou entender as suas piadas. Porque só depois de sessenta e quatro anos eu começaria a entender o seu tipo de humor e quando for famoso não vai mais querer saber das minhas rimas cafonas.
Tá tudo bem, tudo bem tudo bem... Tudo dentro do mesmo ciclo de começos e fins, tão lógico e previsível à natureza humana quanto uma garrafa retornável.

Às vezes o coração da gente é assim: retornável. Quando esvazia a gente vai lá e pede pra encherem de novo, a gente bebe até a última gota, sacia a sede e sente aquela tristeza que dá em todo mundo no final do êxtase.
Outras vezes bebem todo nosso líquido e esquecem a garrafa lá no barracão, lá no fundo.

E eu? Eu vou dormir vazio e acordar cheio.

“Tonight i’m gonna rest my chemestry...” afinal, continuo “so young, so sweet, so surprised...”



JG

domingo, 10 de abril de 2011

A little cheesy jazz

(I think I'm feeling blue
but I'm not sure if blue it is
I guess it is something like this)

Sad as a table set with no flowers
Sad as the flowers waiting for a bee
Sad as the bee trying to reach outta window
The window I closed so then I couldn't see

The tables set along the walkside
The flowers blooming on trees
The bees flying upon the gardens
Flying free, free, free...

And all i wanted in this morning spring
Were you laying here next to me
Being lazy till the clocks beat noon
And have breakfast untill three

So I wouldn't feel so bad
So I'd forget how it's to feel...

Sad as a table set with no flowers
Sad as the flowers waiting for a bee
Sad as the bee trying to reach outta window
The window you closed so you could surprise me

The table is now set with flowers and candles
The flowers are smelling as the morning spring breeze
The bee can go out when you open the door
So we can be together tonight at least.

(Feeling blue is not so sad
when in the end of the day
blue is colorful instead.)